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“Por Abril…”

Editorial

Trinta e nove anos depois, o 25 de Abril cumpriu a maioria dos pressupostos que uma revolução encerra: a transformação social, cultural e política da sociedade. Portugal é hoje um país diferente, para melhor. Mesmo quando estamos confrontados com uma realidade difícil e desagradável como a que estamos a viver. Mesmo sabendo que trinta e nove anos depois não há alegria para festejar e comemorar uma data que mudou para sempre a forma como os portugueses encaram a vida pública. Mesmo ouvindo aqui e ali que «antigamente era muito melhor», mas não era. Mesmo quando a crise e a austeridade nos levam a temer o pior, a nível individual e coletivo. Mesmo quando a história nos mostra que foi precisamente na ressaca de períodos de crescimento, seguidas de crises profundas, a que sucederam conflitos socias e políticos que desaguaram na instalação de regimes ditatoriais e nepotistas e emergiram déspotas. Mesmo assim, com todas as ameaças em que mergulhámos nesta crise, «nada pode apagar o concerto dos gritos» (Sophia de Mello Breyner). Mas é preciso vigiar…

Ao recordarmos o 25 de Abril como referência de liberdade observamos, cada vez mais, atentados à liberdade de expressão. Na imprensa, escrever uma opinião que critique de forma explícita, é suficiente para ser considerada vexatória ou infame. Por “dá cá aquela palha” ouvem-se as reações mais violentas e confunde-se crítica com malvadez. Um comentário contra os poderes é quase sempre mal recebido e os arautos da liberdade – tantas vezes os maiores inimigos da liberdade de imprensa – só a defendem quando vai de encontro aos seus interesses. Se folhearmos os jornais nacionais ou regionais facilmente encontramos testemunhos efetivos do que atrás se diz. E, de facto, hoje, também o medo de existir, como diria José Gil, está no coração dos jornais «com a precariedade do emprego por agenda e o despedimento, por horizonte» (Fernando Paulouro Neves).

Enquanto celebramos o dia da liberdade temos de reflectir sobre um Estado de novo repressivo, num país em que o direito de opinião é cada vez mais posto em causa e a crise económica desvirtua valores em nome da própria sobrevivência.

Há 39 anos a liberdade ganhou à censura, hoje é a Democracia que vai empobrecendo perante novas formas de admoestação e repressão ao direito a informar e a ser informado – numa desvirtuação perigosa. Entre nós, ao contrário, por exemplo, da tradição britânica e americana, não se privilegia a liberdade mas o respeito, ou antes, o “respeitinho” (por oposição ao Speaker’s Corner da lógica inglesa: «Não posso fazer tudo, mas posso dizer tudo»).

No século XIX e início do século XX, a liberdade de expressão era um valor em si mesmo, mas 48 anos de ditadura bolorenta e repressora e uma imensa hipocrisia impedem-nos de sermos um país amante da liberdade. Os direitos e liberdades estão consagrados constitucionalmente, mas não se permeou a sociedade e ficámos dependentes do arbítrio do juiz. Também por isso, faz sentido comemorar Abril e celebrar a liberdade. Efetivamente, como dizia Camus, sem liberdade o jornalismo não pode ser senão mau. E, em consequência, as conquistas de Abril, a liberdade e a Democracia, vão sendo abaladas pela força do dinheiro e da pobreza e são valores prostrados, mesmo quando cremos que «agora ninguém mais cerra/as portas que Abril abriu!» (Ary dos Santos).

Luis Baptista-Martins

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