Com quase 70 anos de actividade, “morreu” a Livraria Académica, também conhecida como “Papelaria Casimiro”. O estabelecimento dirigido por João Pires, filho do fundador, não aguentou a concorrência das grandes superfícies que foram surgindo na Guarda. De pouco valeu a centralidade do espaço na Rua Alves Roçadas, junto à praça dos táxis.
António José Dias de Almeida, cliente da livraria desde pequeno, manifesta agora um «sentimento de grande desgosto, a raiar a nostalgia». Com oito anos de idade, foi ao senhor Casimiro que o antigo professor da Secundária Afonso de Albuquerque comprou os lápis e os cadernos. Por ali incluiu alguns livros na conta que o pai assumia, mais tarde, e foi também na Livraria Académica que encontrou as novidades – dos romances à poesia – enquanto deu aulas no Liceu. «Mas também passei ali muitas vezes para “tagarelar”, num ambiente fantástico, entre amigos, sobre os livros e a cidade», recorda. O professor aposentado cresceu com a livraria e, também por isso, é amigo de João Pires «há muitos anos». Ultimamente, admite que «as coisas não estariam a correr bem» naquele que era «um local de peregrinação para quem queria ter acesso a determinados livros». Mas não só. Também com a sorte, pois António José Dias de Almeida «quase» foi totalista num dos jogos da Santa Casa.
Da Académica saiu ainda uma caneta, comprada ainda jovem, que o acompanhou por largos anos. Numa das vezes, estava já preparado para entrar para um exame na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa quando deu pela sua falta. Movido por uma superstição particular, foi de táxi a casa e regressou ao campus, ainda a tempo da chamada. «Tive boa nota no exame», lembra agora, no «fim de uma casa marcante para variadíssimas gerações de estudantes da Guarda». Outra dessas gerações foi a de Américo Rodrigues, que fala num «espaço simbólico» que «ajudou a construir a identidade cultural da cidade». Qualidades atestadas pela Medalha de Mérito atribuída pela autarquia, há longos anos. O agora director do Teatro Municipal da Guarda (TMG) recorda o senhor Casimiro – que «não era um erudito, mas um comerciante» – pelo seu bom acolhimento a todos os que ali passavam, pela sua simplicidade e pelo seu trato fácil. «Ele não “espantava” as pessoas para que desimpedissem a loja. E isso é que construiu uma certa imagem», refere.
Era na Livraria Académica que o artista encontrava tanto os seus autores preferidos, como os seus primeiros trabalhos para venda. Apesar de reconhecer que se trata de um espaço privado, Américo Rodrigues reclama da autarquia uma atitude neste particular, de forma que o local possa «continuar associado à cultura». Uma das ideias passaria por chegar a um entendimento com os envolvidos e instalar ali a Livraria Municipal, que vai mudar-se para a Biblioteca Municipal Eduardo Lourenço. Outra hipótese seria abrir uma «loja cultural» para vender «pequenos objectos populares que estão a desaparecer, dos livros, aos cadernos, artesanato, vinho, chá ou mel», exemplifica. Por tudo isto, Américo Rodrigues considera a Livraria Académica «um oásis na cidade. E uma cidade que se preze tem de saber preservar estes oásis», desafia.
Igor de Sousa Costa