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Política 2.0

Razão e Região

Recentemente, numa conferência na «Bocconi», de Milão, o sociólogo Manuel Castells disse mais ou menos isto: «a “mass self communication” foi um dos elementos fundamentais para a vitória de Obama». O que é que significa este novo conceito, introduzido precisamente por Castells? Significa o seguinte: «comunicação individual de massas». Ou seja, trata-se de um novo conceito que procura traduzir, de forma rigorosa, os efeitos sociais da comunicação em rede. Este modelo de comunicação rompe com uma característica fundamental da comunicação própria dos chamados media tradicionais, da imprensa à televisão. Esta era uma comunicação de tipo «broadcasting», de «um-para-muitos», que partia de um centro emissor e se dirigia precisamente a receptores indiferenciados, às massas. O espaço público era controlado pelos agentes orgânicos do sistema mediático e o acesso a ele dependia da sua vontade orgânica. Tecnicamente, esta função de controlo é conhecida como «gatekeeping», sendo os seus agentes designados como «gatekeepers». Ora, a nova «comunicação individual de massas», tornada possível pela Rede, precisamente porque é, ao mesmo tempo, individual e de massas, vem romper com esta exclusividade de controlo do acesso ao espaço público pelos «gatekeepers» e permitir que cada indivíduo possa, autonomamente, sem pedir licença a ninguém, entrar directamente no espaço público, interferir na agenda pública e mesmo criar uma rede de relações completamente autónoma relativamente ao espaço público tradicional. Este novo modelo de comunicação vem, em primeiro lugar, interagir fortemente com a comunicação de tipo «broadcasting» dos media tradicionais, retirando-lhes a exclusividade do acesso ao espaço público e ameaçando mesmo o seu domínio sobre um espaço que deixou de ser exclusivamente mediático para passar a ser «espaço público digital». Mas, em segundo lugar, e como é natural, este novo modelo comunicacional também vem interagir fortemente com a política. Como sabemos, uma das tendências que mais se impuseram nas últimas décadas foi a de uma crescente homologação do discurso político às exigências operativas do discurso mediático, em particular ao discurso televisivo, com os resultados simplificadores que se conhece. Poderíamos, assim, dizer que temos vindo a viver num tempo de política «broadcasting». Este tipo de política corresponde, assim, àquilo que muitos designam por «democracia do público», herdeira da velha «democracia de partidos». Ora, a emergência da «mass self communication» está já a produzir efeitos não só no plano da reorganização do próprio espaço público, mas também no plano da política. Com efeito, este novo modelo substitui a comunicação de tipo vertical por uma comunicação de tipo horizontal, ou seja, substitui a comunicação de tipo «one-to-many» pela de tipo «many-to-many». O que significa isto? Significa que, neste modelo de comunicação, o acesso dos indivíduos ao espaço público passa a depender somente deles próprios e que a partir da base do sistema social é possível condicionar as próprias agendas mediática, política e pública. Mas significa também que a partir da base é possível construir redes de relações imateriais que, depois, se podem replicar e alargar na sociedade como redes de relações materiais interpessoais. Todos nos lembramos do que aconteceu em Espanha, na fase final das eleições legislativas 2004. Todos vimos o que aconteceu agora nas eleições americanas. É o próprio Castells que o diz: «a mass self communication foi um dos elementos fundamentais para a vitória de Obama». Mas ele diz mais: 67% dos donativos recolhidos pelo Senador do Illinois chegaram via Internet (contra os 20% de Hillary Clinton, nas primárias, e os 17% de McCain). São dados tão significativos que não é possível deixar de tirar ilações. Mas não nos iludamos. A política «broadcasting» ainda continua muito forte, mesmo entre aqueles que já se converteram à nova realidade comunicacional. Incluído Barack Obama. É claro que a extrema personalização da política contribui fortemente para isso. E que as consequências disto ainda são muito relevantes: segundo informações do jornalista italiano Mario Calabrese, Obama terá gasto, em política «broadcasting», com um «spot» de meia hora, transmitido pelas Cbs, Nbc e Fox, cerca de 5 milhões de dólares. Um excesso! Mas a verdade é que não foi nisto que residiu a verdadeira novidade.

Por: João de Almeida Santos

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