Dois dos três médicos oftalmologistas do Hospital da Guarda emitiram esta semana um comunicado onde fazem duras críticas ao modo de funcionamento da Unidade Móvel de Oftalmologia (UMO), que começou a trabalhar no final do mês passado depois de ter estado parada cerca de ano e meio. Mas o director clínico do Sousa Martins, José Cunha, garante que não há razões para alarmismos e que a viatura «continua a funcionar normalmente».
No comunicado, a que “O Interior” teve acesso, Henrique Fernandes e José Varela salientam que a UMO foi concebida para uma «melhor humanização dos cuidados oftalmológicos prestados à população idosa do distrito» e que, nesse contexto, o projecto «previa a deslocação ao terreno de médicos oftalmologistas», que são tidos como «os únicos profissionais habilitados, técnica e legalmente, a manipular alguns dos equipamentos existentes», frisam. Para os subscritores do documento, a UMO «dificilmente poderia funcionar no horário normal de serviço dos médicos», só podendo «funcionar aos fins-de-semana, ou prolongando o horário dos médicos até ao fim dos dias úteis, sem o que ficaria prejudicada a eficácia da intervenção», asseveram. «A tutela não criou objectivamente condições para a execução do projecto inicial quando se recusou a remunerar os médicos pelos mesmos valores praticados em outros hospitais públicos», em casos em que os clínicos «detêm até qualificação profissional inferior à dos médicos do Hospital Sousa Martins», prosseguem. Os dois especialistas realçam que nas circunstâncias actuais, «de sobrecarga funcional do serviço hospitalar correspondente, é impossível retirar qualquer benefício para a população à conta da UMO», dizem. «O bom senso aconselharia, primeiro, a um acréscimo da eficácia do serviço de oftalmologia, melhorando a sua capacidade física e técnica» e «só depois» é que o mesmo teria «condições para dar solução ao trabalho adicional que viesse a ser suscitado pela operacionalização médica da UMO», reforçam. De resto, «sem um empenhamento de médicos oftalmologistas na execução directa do projecto, e posteriormente ao nível do próprio Hospital Sousa Martins», fica o mesmo «votado ao fracasso, representando apenas um incompreensível desperdício de dinheiros públicos», criticam.
Doentes podem ficar com «falsa sensação de segurança»
Para Henrique Fernandes e José Varela, a UMO «não foi concebida» para realizar rastreios, uma actividade que «poderia, como já sucedeu, ser realizada sem recurso à UMO, e com muito menos custos para o erário público», frisam. Da mesma forma, este tipo de intervenção, «demasiado básica, não permite detectar muitas das situações patológicas», representando um «desperdício de oportunidade diagnóstica», ao mesmo tempo, que pode «incutir nos doentes uma falsa sensação de segurança», alertam. A lista de reparos não fica por aqui, já que «limitando-se a mobilizar uma qualificação técnica menor, obriga os doentes suspeitos de algum tipo de patologia a deslocarem-se na mesma aos Hospitais, o que poderia não suceder se fossem logo observados por médicos», realçam. Os dois subscritores do comunicado garantem ainda que a sua colaboração com o projecto actual «não foi assegurada», acrescentando que a «hipotética integração directa de doentes da UMO nas listas de espera do Hospital, na sequência de intervenção de não médicos, representaria uma alteração ilegítima da ordem de acesso aos cuidados de saúde oftalmológicos, com desprezo pela situação dos doentes acompanhados exclusivamente pelos seus médicos de família», continuam. Henrique Fernandes demitiu-se das funções de responsável pela coordenação do projecto da UMO a 6 de Setembro, dia em que regressou de férias, e tomou conhecimento da «utilização bizarra dada à viatura». Por último, os dois médicos sublinham que «não tendo sido solicitados a colaborar em termos respeitadores da dignidade profissional dos médicos, e orientados apenas para o interesse dos doentes, declinam publicamente qualquer responsabilidade na execução e na inutilidade do projecto actual», terminam. Contactado por “O Interior”, Dias Santos, director do serviço de Oftalmologia não quis comentar o assunto, por entender que «não tem nada a ver com a carrinha», disse.
Técnicas de Ortóptica são «idóneas» perante a lei para realizarem rastreios
Confrontado com as críticas feitas pelos dois oftalmologistas, o director clínico do Hospital da Guarda não lhes atribuiu grande importância, assegurando que a viatura «continua a funcionar normalmente» desde a sua abertura no final do mês passado. José Cunha explica que a UMO está no terreno com duas técnicas de Ortóptica que «perante a lei» são «idóneas para realizarem rastreios da visão». A UMO está vocacionada para os idosos e visa promover o rastreio oftalmológico em todas as Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS’s) do distrito, tendo capacidade para atender dez pacientes por dia. O equipamento, avaliado em mais de 150 mil euros, permite realizar o rastreio de alterações da visão e distúrbios do globo ocular. Recorde-se que, após alguma polémica entre a administração e os especialistas, que exigiam ser pagos à avença, ou seja, um valor por cada doente, e de ter estado ano e meio parada, a UMO chegou em finais de Agosto último à estrada.
Ricardo Cordeiro