Longe da quase total unanimidade da crítica em redor do seu anterior trabalho Elephant, onde Gus Van Sant lançava um olhar diferente sobre o massacre do liceu de Columbine, com Last Days chegam as pequenas polémicas e a divisão de opiniões. O erro de Van Sant talvez tenha começado no dia em que afirmou ser este um filme inspirado nos últimos dias de Kurt Cobain, o líder já falecido dos Nirvana. Dito isto, todos parecem ter ficado à espera de um biopic igual a tantos outros, com um princípio, meio e fim. Talvez a vida seja isso mesmo, uma sucessão de acontecimentos ordenados, que acabarão por definir cada um de nós. A vida talvez seja mesmo assim, mas o cinema não o tem que ser. Esqueçam por isso qualquer semelhança com filmes antes vistos dedicados a bandas rock, como por exemplo aquele que Oliver Stone dedicou aos The Doors. Esse era prosa, este é poesia.
Em vez de Cobain encontramos em Last Days um outro músico, de nome Blake (numa interpretação de Michael Pitt, que depois de Bully, A Vila e Os Sonhadores, deixa de ser uma aposta para o futuro: é já uma certeza, para agora). Perdido e alienado numa enorme e decrépita mansão, vagueia em seu redor acompanhado de um qualquer amigo imaginário, com quem partilha sussurros constantes. Vivem por lá outros amigos, mas de quem Blake foge como qualquer pessoa inteligente fugiria de Bush se o encontrasse. E durante duas horas quase nada acontece. Sacrilégio! A malta gosta é de ir ao cinema para ver algo a acontecer, já que nas suas vidas nada acontece. Já ninguém tem tempo para ver seja o que for para além do óbvio.
Se Godard fosse americano talvez acabasse por fazer um filme assim. Experimental e único. Onde nada tem que seguir regras há muito estabelecidas. O som e imagem não precisam corresponder. Uma vez mais, para isso basta a vida. Se no cinema outros sons podem servir melhor para a transmissão de um qualquer sentimento, em oposição ao som correspondente, que razões poderão levar a alguém a obrigar-se seguir apenas o que está definido?
Actualmente Gus Van Sant é um dos realizadores que melhor filma. Depois de algumas aventuras menos interessantes como são os casos de O Bom Rebelde ou Descobrindo Forrester, seguiram-se Gerry e o já referido Elephant, que agora com Last Days completam uma qualquer trilogia, a que não se sabe muito bem como chamar.
Nem tudo está bem em Last Days. A estética sobrepõe-se por vezes em demasia, criando um vazio em seu redor muitas vezes nos limites do suportável e as personagens nem sequer o chegam a ser. Nem tudo está bem, mas o que está atinge níveis que justificam um olhar mais atento e menos preconceituoso. Esqueçam Cobain e os seus Nirvana. Esqueçam tudo. Só dessa forma talvez tudo isto faça algum sentido.
Por: Hugo Sousa