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“Pior do qui tá num fica”

Vem este artigo a propósito da enorme fraude permitida anualmente a alguns espertalhões na atribuição de subsídios escolares aos seus educandos.

Não é compreensível, a não ser numa lógica chico-espertista, que alguém que leva os filhos à escola num carro topo de gama recentemente comprado pela firma, de que é sócio ou “empregado”, (a qual dá, sempre que pode, prejuízo), que declara o ordenado mínimo, mas que veste a família só com roupas de marca, come nos melhores restaurantes e descansa em bons hotéis, não tenha um pingo de vergonha ao permitir que os seus filhos sejam dos poucos, na escola, a usufruir dos benefícios de um escalão A, tendo tudo pago por todos nós: livros, cadernos, refeições, Magalhães, etc.

Todos conhecemos e comentamos casos como este. Então porque continuamos impávidos e serenos a ser “comidos” por gente desta? Porque não denunciamos estas situações? Porque não são criados organismos ou departamentos que possam receber as denúncias, anónimas ou não, de situações que lesam o Estado e quem, realmente, necessita desses apoios? Porque não pode uma escola, no papel do seu Director, conhecidas as REAIS condições socioeconómicas de um destes agregados familiares, comunicar a quem de direito a fraude e negar o apoio? Porque continua a ser o documento de liquidação do IRS o único meio pedido de prova? O pior é que isto acontece desde sempre e transversalmente ao sistema de ensino, desde o primeiro ciclo à universidade. Recordo o caso de um aluno universitário, em Coimbra, cujo pai tinha uma fábrica de uma conhecida marca de bolachas e que chegava, ostensivamente, no seu Porsche às aulas. Este indivíduo usufruía de bolsa máxima! Era mais um pobre empregado de uma pobre firma, coitado! No entanto, muito filho de funcionário público, trabalhador agrícola ou metalúrgico, nunca teve direito a qualquer bolsa, quanto mais à máxima.

Isto aconteceu nos anos 80 do século passado, mas repetiram-se milhares de casos semelhantes nas décadas que se seguiram. Neste novo século, com tanto computador, tantos locais onde introduzimos o nosso número de contribuinte, será assim tão difícil cruzar informação? Não. O que me parece é que há uma grande elite à qual isso também, e sobretudo, não interessa. Abrir contas bancárias? –“Tá quieto ó mau”. Pacote anti-corrupção? –“Shiuu! Estejam quietinhos”. Ainda por cima o povo português aprecia o “chico-esperto”, quer ser como ele, seguir o seu exemplo, ter a “inteligência” de fugir aos impostos, pois, na sua opinião, quem os paga é estúpido, esquecendo-se que é justamente o dinheiro dos impostos de todos que paga os vícios e as espertezas de uma crescente minoria.

Mas isto vai continuar, porque um povo estúpido, acéfalo e acrítico como o nosso é o sonho de qualquer governante. Enquanto andar entretido com fado, futebol e Fátima, novelas, revistas do coração, “correios da manhã”, notícias de “faca e alguidar” da TVI e programas da manhã de quinta categoria, entre outras aberrações, raramente questionará o mal que lhe fazem e utilizam os seus impostos, nem se imporá perante as injustiças.

O povo português é como um rebanho que pasta o pão que o diabo amassou, cabisbaixo, deprimido, dizendo mal da sua vida, não vislumbrando saída para os seus problemas, percebendo que as suas condições de vida vão piorar, que mais este apertar de cinto apenas vai permitir um balão de oxigénio na economia, sendo um esforço inglório a médio/longo prazo, pois quer sejam socretinos e seus derivados, quer sejam coelhos e alaranjados que nos venham governar, o “status quo” manter-se-á. Ficaremos cheios de TGV’s ruinosos, aeroportos, submarinos e estádios de que não necessitamos e SCUT’s que eram sem custos, mas afinal parece que temos que pagar. No entanto, na hora de nos vingarmos de quem nos trata tão mal e malbarata os recursos do nosso país em brincadeiras e megalomanias, vamos fazer como o pseudo-humorista brasileiro, o Tiririca, votar nos mesmos, pois “pior do qui tá, num fica”. É o Zeitgeist à portuguesa concerteza.

Por: José Carlos Lopes

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