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Picos da Europa – Cantábria

Quando em finais de Maio, uns companheiros do pedal, me convidaram para partir com eles numa aventura para os Picos da Europa, nem hesitei, permutei uma aula com um colega, solicitei autorização à família (teve que ser), arranjei os trocos necessários e, numa quinta-feira à tarde, os nossos veículos começaram a devorar os quinhentos quilómetros que nos separavam dos Picos da Europa, na Cantábria. Chegámos já tarde a Fuente Dé.

Montámos acampamento no, rústico, parque de campismo e fomos dormir. A alvorada mostrou-nos a origem do nome “Picos”. Por cima das árvores erguia-se, sobranceira, uma parede vertical com mais de 700 metros, para além de uma paisagem recortada por numerosos cumes aguçados, estando o mais elevado a 2.600 metros. Da minha tenda, o ponto de chegada do teleférico que nos iria levar ao topo dessa parede, parecia o buraco de uma agulha, pelo que, se já o tinha pensado, assim o fiz e comuniquei aos meus companheiros que os mil metros verticais que me separavam desse cume seriam feitos, a solo e de imediato, de bicicleta. Por entre votos de boa sorte e boquinhas de “medricas” e “não sabes o que perdes”, parti duas horas mais cedo, descendo em direcção a Espinama e iniciando aí os 12 km de subida até ao ponto de encontro, junto do teleférico, à altitude de 1.825 metros, onde cheguei uns minutos antes dos meus, folgados, companheiros. O dia estava fantástico, a paisagem deslumbrante, o ar puríssimo, os carros….Carros em pleno Parque Natural, nah? Isso só em Portugal! Lá, exactamente à mesma altitude da Serra da Estrela, apenas se viam pessoas e máquinas movidas a músculo, e limpeza e respeito pela natureza e uma pousada excelente mas, no entanto, sem quilómetros de asfalto para ir lá ter. Aliás, o asfalto, pelo que nos foi possível observar, ao longo de três dias e centenas de quilómetros percorridos, está proibido em altitude, apenas serve para fazer ligações, pontuais, às aldeias e para circundar as montanhas, mas nunca, mesmo nunca, para atravessá-las! Por cá a coisa é bem diferente, com uma estrada que, há muitos anos, atravessa e carrega de poluição o ponto mais alto de Portugal Continental, as duas últimas aberrações foram as pavimentações, com asfalto, das ligações ao Castro do Tintinolho e uma espécie de circular ao vale do Sameiro. Estupidez? Muita. Desperdício? Óbvio. Vantagem? Nenhuma. Desvantagens? Imensas. Lá, nos Picos, as pessoas que circulam no Parque, fazem-no a pé, de bicicleta ou a cavalo. Os seus veículos motorizados estão proibidos de entrar, pelo que, os benefícios para o ambiente, são óbvios. Jipes? Apenas os dos ganadeiros. Nesses três dias o único lixo que vi foi uma lata de coca-cola abandonada junto a uma fonte. Mais nada. Ao longo dos trilhos e caminhos, nem restos de plásticos, nem garrafas, nem lixo do Mac, nem fragmentos de trenós, nem jornais ou revistas, nem fraldas descartáveis ou pensos higiénicos. Os caminhos de terra batida, ainda são uma boa maneira de afastar turistas indesejáveis de santuários da natureza. O que estamos a fazer em Portugal é dar o sinal contrário, é facilitar o afluxo de gente, que não interessa, a esses locais. À semelhança das submersas gravuras de Foz Côa, a melhor forma de preservar certos locais é mantê-los muito pouco acessíveis, porque, deste modo, só lá chega quem conhece ou quer mesmo conhecer, afastando, “a priori”, gente indesejável. Outra maneira de preservar, é ter mão pesada com os prevaricadores, o que ainda não acontece.

Voltando à vaca fria e às boas vibrações. O primeiro dia reservar-nos-ia a jóia da coroa desta região e desta aventura – a fantástica e arrepiante Rota do rio Cares. Este troço, literalmente cavado por centenas de trabalhadores, entre 1915 e 1921, numa estreita garganta, de paredes verticais, de calcário, moldada ao longo de milhões de anos por este rio, é uma obra-prima da engenharia daquele tempo. Unindo Cain a Poncebos, serviu para a construção dos túneis e aquedutos que, contíguos, conduzem a água que permite a produção de energia eléctrica em Poncebos. Impróprio para pessoas impressionáveis, com caminhos de metro e meio de largura (por vezes menos) e desníveis verticais de 300 metros, foi unanimemente aclamado como o mais belo pedaço de mau e perigoso caminho alguma vez trilhado por nós. Arrepiante foi, também, para as dezenas de caminheiros que ao longo dele se deslocavam, verem-nos nas nossas bicicletas, uns mais descontraídos do que outros, a contornarmos os bordos do precipício. Para se ter a ideia da inacessibilidade deste caminho a outros veículos, a sua manutenção, incluindo a remoção dos lixos, depositados em contentores, é feita periodicamente de….helicóptero! Haverá algo mais cool?

Cantabria, hasta luego! Gracias compañeros de ruta!

Por: José Carlos Lopes

Comentários dos nossos leitores
Nuno Lemos nrlemos@gmail.co,
Comentário:
Grande Zé, que grande aventura! Um abraço
 

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