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Pequenas cidades

Numa crónica de finais de dezembro, publicada no “New York Times”, Paul Krugman conta a história da cidade norte-americana de Rochester e, através dela, a de muitas pequenas cidades industriais. Rochester começou por produzir farinha, depois sementes, a seguir monóculos e, nessa sequência, vidros, microscópios e lentes. A especialização em produtos óticos trouxe a Kodak e mais tarde a Xerox. Esta história, que se estende por mais de cem anos, parece trazer lições sobre como desenvolver uma pequena cidade, mas Krugman conclui apenas uma coisa: esse desenvolvimento depende apenas da sorte. A deslocalização de uma indústria, ou a sua substituição por outra coisa qualquer, noutro lugar, podem destruir de um momento para o outro as expectativas construídas ao longo do tempo.

Na nossa região, por exemplo, há alguma história na indústria automóvel. A Renault teve aqui uma fábrica durante décadas. Tivemos depois a Delphi, que como aquela encerrou, mas temos ainda a Dura, a Sodecia, a Coficab. Há histórico na fabricação desses produtos, mão-de-obra com experiência, infraestruturas instaladas, boa localização (relativamente longe dos terminais de contentores, mas na confluência de autoestradas e linhas de caminho-de-ferro). Talvez por tudo isso, há notícia de investimentos próximos: quer a Sodecia, quer a Coficab, estão prontas a contratar mais trabalhadores e a aumentar as instalações. Assim, a manterem-se as atuais circunstâncias da indústria automóvel e a continuar a região a fornecer boas condições, parece haver algum otimismo para o futuro.

No entanto, não podemos esquecer-nos de que aquelas fábricas, no seu conjunto, estão longe de empregar sequer mil trabalhadores e que só a Delphi, nos seus tempos áureos, chegou a ter cerca de três mil. A tendência, a não ser que os investimentos sejam para continuar, não é por isso favorável. Para além disso, como alerta Krugman, estas indústrias mantêm-se no mesmo lugar, na mesma cidade, por razões que têm sobretudo a ver com o mero acaso ou a boa fortuna. Uma inovação tecnológica pode destruir de um momento para o outro uma indústria inteira ou torná-la muito menos rentável, e o mesmo efeito pode ter a existência de custos de produção mais baixos noutros lugares. Como a mão-de-obra barata chinesa acabou com boa parte da nossa indústria têxtil, não estamos livres de que aconteça o mesmo noutros sectores, ou de que vejamos os salários médios aproximarem-se, como ali, do salário mínimo nacional.

A região não se pode permitir perder estes investidores, que são uma espécie de última barreira ao acentuar do despovoamento. Espera-se que o poder central tenha noção disso e que perceba o estado de quase catástrofe, demográfica e económica, em que se encontra o interior. Há urgência de medidas de discriminação positiva, como impostos mais baixos para quem crie postos de trabalho na região, eliminação ou redução das portagens, deslocalização para cá de serviços ou organismos do Estado. Para já, no Orçamento Geral do Estado para 2018 há uma boa notícia para a Câmara Municipal da Guarda: a possibilidade da dívida da água ser paga em 25 anos.

Por: António Ferreira

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