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Pedras de culto

Nos Cantos do Património

O monumento megalítico conhecido como a “Anta da Pêra do Moço” (Guarda) perpetua, em pleno século XXI, a memória de antigos rituais relacionados com a vida no Além mas também com cultos da fertilidade dos rebanhos e dos campos. Estes rituais quase tão antigos como a Humanidade, eram acompanhados da deposição de alimentos, de armas e de objectos, presumivelmente utilizados pelos inumados.

As práticas rituais de oferta de comida aos defuntos são comuns a diversas civilizações como a do Egipto do Império Antigo ou às comunidades europeias do Neolítico.

Mas em que momento terão desaparecido os rituais associados às antas e a outros monumentos megalíticos? Sabemos que no final do século XIX ainda se praticava um “cerimonial” mágico/religioso associado à Anta da Pêra do Moço como já referimos num texto publicado nesta coluna (vide O Interior, edição n.º 230). Mas estes rituais ditos pagãos, a partir do século IV, passaram a ser olhados pela hierarquia da Igreja como práticas diabólicas que era preciso extirpar.

Ao longo de toda a Idade Média, a Igreja não deixou de invectivar essas práticas em muitos dos seus Concílios. Diversos documentos conciliares dão-nos conta da prática de antigas tradições pagãs como a oferta de comida aos mortos, o culto aos montes, às grutas, às árvores, aos rios e às pedras. No século VI e VII, nos vários documentos produzidos nos diversos concílios, exortam-se os clérigos a derrubar e a esconder as pedras antigas às quais o povo fazia votos e levava oferendas.

No III concilio de Toledo, realizado em 675, os “adoradores dos ídolos, os que veneram as pedras, os que acendem tochas, os que adoram as fontes e as árvores, que reconheçam como se condenam a si próprios à morte. E aos que fazem sacrifícios ao diabo (…) e castiguem com chicotadas todos os que praticam estes actos e carregando-os com correntes, os entreguem aos seus senhores, desde que prometam, mediante juramento, que os vigiarão com tanto cuidado que daí em diante seja impossível cometer o crime”.

No entanto, as práticas “pagãs” mantinham-se de tal forma enraizadas na mentalidade das populações, sobretudo das rurais, que a Igreja se viu obrigada a “reconvertê-las” em rituais cristãos. Deste modo, antigos locais sagrados onde os camponeses adoravam árvores, grutas, rochedos, menires e antas tornaram-se locais de peregrinação cristã com a construção de capelas e igrejas sobre as ruínas de antigos templos pagãos.

Por: Manuel Sabino Perestrelo

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