Dúvidas «inultrapassáveis» quanto à causa da morte de Maria Teresa Tavares levaram na última quinta-feira o Tribunal da Guarda a absolver a enfermeira aposentada Albertina Romão do crime de homicídio por negligência. A parteira tinha sido condenada em Fevereiro do ano passado a três anos e meio de prisão, com pena suspensa por quatro anos, mas o Tribunal da Relação de Coimbra mandou repetir o julgamento para se apurar a causa concreta da morte da mulher de 37 anos que em 1998 procurou o consultório da arguida para praticar um aborto. Após ler o acórdão, o juiz Carlos Marques deixou claro que a decisão ficava a dever-se à falta de provas quanto às causas da morte e não por que «se tenha provado a inocência» de Albertina Romão.
Antes pelo contrário, o tribunal considerou que a arguida praticou manobras abortivas, «sem formação adequada, agiu fora do quadro legal, violou os deveres da profissão» e teve uma conduta «negligente» que foi consequência «directa e necessária» para os ferimentos uterinos de Maria Teresa. Mas não conseguiu afastar a «dúvida razoável» quanto à causa provável da morte, uma incerteza que nem o relatório da autópsia esclareceu, pois «peca por muitas deficiências e não está completo», faltando nomeadamente exames complementares que poderiam ter ajudado a elucidar a morte, que tanto pode ter ocorrido devido a uma hemorragia, a uma irritação peritonial ou à utilização excessiva de medicamentos. Dada a impossibilidade em provar o nexo de causalidade entre as práticas de Albertina Romão e o falecimento da Maria Teresa, o tribunal absolveu a arguida do crime de homicídio por negligência e do pagamento de 121 mil euros de indemnização à família da vítima. Uma decisão que surpreendeu e desiludiu o marido de Maria Teresa: «Pelo que me apercebi hoje, não há justiça em Portugal. Chega-se à conclusão que se pode matar e ficar absolvido, por isso há que começar a fazer justiça pelas próprias mãos. Pode ser que também seja absolvido», desabafou à saída da sala de audiência, garantindo que vai continuar a recorrer.
Também Paulo Santos, advogado da família da vítima, estava insatisfeito com a alteração da decisão inicial. «Tinha sido uma sentença justa, mas agora o tribunal não achou suficientes os esclarecimentos prestados por vários peritos médicos para condenar a arguida. Nós não temos essa opinião, pelo que vamos avaliar a decisão e iremos recorrer», anunciou, considerando haver «de facto prova e matéria que permite condenar a arguida, que foi o que sucedeu na primeira vez e que há-de ser o que vai acontecer se se fizer justiça». Na sua opinião, os médicos ouvidos em audiência deram como provável que a perfuração do útero tenha sido a causa da morte. «O tribunal não tem dúvidas que houve aborto e lesões que perfuraram o útero, mas não quis ter em conta que, de facto, isso é adequado a provocar a morte», sustenta, lamentando que as lacunas da autópsia tenham estado na origem desta absolvição. «Há responsabilidades a apurar», revela. O advogado de defesa, por sua vez, disse que a arguida estava «satisfeita» por ter sido absolvida de um crime de que vinha indiciada e acusada há longo tempo, embora não concorde com os factos dados por provados. De resto, José Martins Igreja acredita que o processo vá continuar em instâncias superiores.
Marido mantém versão
Os factos remontam a Março de 1998, quando Maria Teresa Tavares faleceu em casa de Albertina Romão, que tinha procurado, acompanhada do marido, para interromper uma gravidez de mês e meio. Inicialmente pronunciada pela prática de um crime de aborto, a conclusão do debate instrutório determinou que a arguida fosse a julgamento formalmente acusada de homicídio por negligência por falta de provas médicas quanto à gravidez da vítima. Maria Teresa Tavares terá “consultado” a enfermeira Albertina, mas um quarto de hora depois de a ter deixado na residência da arguida, na Rua Francisco dos Prazeres, Henrique Couto regressou e encontrou a esposa já inanimada tendo sido transportada para as Urgências do Sousa Martins, onde chegou sem vida. O marido, testemunha essencial no processo por ter sido quem levou a falecida a casa da enfermeira naquele fim de tarde de 5 de Março, tem mantido a versão da gravidez até ao fim, mas a arguida alegou o contrário, acrescentando que a vítima – doente com tuberculose – já apresentava sinais preocupantes, tendo-lhe mesmo ministrado medicamentos, nomeadamente uma injecção. Determinante na altura para apoiar esta tese foi um parecer do Instituto de Medicina Legal (IML) de Coimbra que afirmou categoricamente não haver provas da gravidez e que «talvez» a morte tivesse ficado a dever-se a uma hemorragia, aludindo ainda a eventuais lesões uterinas anteriores e que não foi possível determinar se a hemorragia foi provocada por «qualquer manobra do tipo abortivo» supostamente efectuada pela enfermeira na hora ou ocorrida antes da vítima ter estado em sua casa.
Luis Martins