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Papás, os novos cromos do Mundial

Espero que no momento em que estejam a ler esta crónica todos os zelosos paizinhos já tenham completado a caderneta de cromos do Mundial 2010. É que a competição já acabou. E agora é que não faz mesmo sentido continuar a emprateleirar todos os crânios como um Pol Pot da bola, como um esmerado operacional da Al-Qaeda fanático por cabeças decepadas de futebolistas. Cortar, colar, fazer uma festinha final na cara para ver se está bem alinhada para imediatamente ir à caça de outro homem. Afinal, falamos de mais de 650 cromos. Menos de 100 euros para completar a coleção se cada saqueta não trouxesse repetidos. Mas não. Os jogadores idênticos amontoam-se na sua mesa da sala como se se tratasse de uma qualquer experiência de clonagem mal sucedida onde só se reproduzissem futebolistas medianos de seleções de segunda linha.

Para quem não esteve a par do “fenómeno”: filhos e pais, jovens e menos jovens, endoideceram nos últimos meses com a Caderneta de Cromos do Mundial 2010 da Panini distribuída gratuitamente em vários jornais para agarrar. Uma maluqueira. Apareceu de forma inocente antes da primavera – sim, vai ser uma alegria para toda a família. E subitamente já os cromos estavam esgotados nas papelarias para criar ansiedade e depois, como por milagre, já havia packs junto às caixas dos supermercados, ali onde as compras são impulsivas, e de repente os treinadores publicaram as convocatórias e alguns eram cromos que não iam à África do Sul e outros iam jogar mas não tinham direito a cromo. Indignação! Como é que os misters deste mundo tiveram o descaramento de estragar a caderneta?

As crianças atiraram-se aos cromos de cabeça. De tal forma que algumas escolas tiveram que os proibir, o que se traduziu numa tragédia. Afinal, a sua “beleza” não está apenas na capacidade económica de os adquirir, mas na rede relacional para os trocar. Não basta o papá comprar 20 caixas de cromos para ter o raro, mas sim ter um pai-figurão que conhece quem conhece gente na sede das figurinhas da Panini ou outras efabulações que servem todas idades. A realidade é que toda a gente sabia de histórias de pessoas a trocar cromos nos escritórios e online e depois a marcar encontros para efetuar o dealing. O meu filho não é menos que os dos outros e vai ter a sua caderneta completa.

É que chegamos a um ponto importante, ó crianças dos 7 aos 77: os cromos são um esquema feito para torrar dinheiro sem um objetivo final, um prémio, qualquer coisa… nada. É chegar ao fim depois de ter gasto um pipa de massa. A empresa reproduz uma noção tosca de sistema monetário: faz centenas de milhões de cromos do Keita da Costa do Marfim, mas apenas alguns milhões do Messi ou do Ronaldo, determinando assim a sua raridade por via da impressão tipográfica. Ora, não se trata de um “jogo”. Os miúdos vão chantagear os pais para comprar mais. Haverá competição entre petizes que passará para os pais para terminar as cadernetas. E o raio do Messi que não aparece. E quando menos derem por isso, ali estão eles, pais e mães, ridicularizados numa peça de telejornal em tom de fait-divers, à porta de um centro comercial de subúrbio, a tentar trocar Cardozos por Villas.

As coleções de cromos nunca sucumbiram aos jogos eletrónicos e estiveram sempre por aí. Fosse na minha geração, quando os jogadores eram feios como noites de trovoada, ou nos anos 90, quando os putos impressionavam as miúdas com os jogadores italianos.

Se bem me lembro, a minha missão como chavalito era tentar sacar dinheiro para cromos ou arranjar maneira de os trocar entre o grupo de conhecidos. Ou, então, pelo cansaço, constatar que aquilo era mesmo uma impossibilidade e passar para outra.

Sinceramente, o que – ao longe – me chocou foi como os progenitores tomaram conta do assunto e o assumiram como uma dor sua. Os pais tornaram-se os cromos. E há muitos repetidos.

Por: Luís Pedro Nunes

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