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Pânico

Acaba de se abater sobre os professores portugueses uma das maiores tragédias da sua história como classe, ou grupo social, em democracia. Muitos milhares ficaram desempregados no início do ano lectivo e boa parte deles não tem esperança de encontrar trabalho tão cedo. A culpa é em primeiro lugar dos portugueses, que parecem ter desistido de ter filhos e ao ponto de a população escolar ter diminuído 14% nos últimos cinco anos. Podemos também culpar a crise e a necessidade de aumentar o número de alunos por turma, o que terá como consequência uma nova diminuição do número de professores. Certo é que no horizonte não se avizinha nem é de prever nada de bom.

Neste quadro é surpreendente o silêncio dos sindicatos, pelo menos comparado com o frenesim e clima de revolta que desencadearam quando se começou a falar a sério na avaliação de professores. Já vi explicar este silêncio com o facto de os sindicatos protegerem sobretudo os interesses dos professores do quadro, não afectados pelas não renovações de contratos, em detrimento dos professores contratados. Mas também pode ser puro e duro realismo.

Também algo estranha parece a discussão sobre as mexidas nas contribuições para a Segurança Social. Que representavam uma subida de impostos. Que não. Que implicavam uma transferência de riqueza dos trabalhadores para os empregadores. O interesse da primeira discussão, sobre a qualificação do aumento, é irrelevante do ponto de vista político, uma vez que entretanto o próprio governo assumiu novos aumentos de impostos, mas cabe aqui um pequeno esclarecimento: as dívidas à Segurança Social são legalmente consideradas dívidas tributárias e pela doutrina como “parafiscais”. Sobre a justiça ou injustiça dos aumentos têm-se esquecido insistentemente alguns detalhes. Em primeiro lugar, o benefício dos descontos para a Segurança Social é exclusivamente do trabalhador, que é ele quem vem depois a colher os benefícios, em subsídios de doença, de desemprego, na reforma, etc. Em segundo lugar, o aumento do contributo do trabalhador representa na realidade uma diminuição escondida do seu salário. É que o pagamento pelo empregador de contribuições em nome e no interesse do trabalhador, que por isso deveriam em teoria ser suportados por este, acabavam por significar na prática que a retribuição era no montante real do salário acrescido dessa contribuição para a Segurança Social, paga pela entidade patronal. Por isso, o que a medida realmente faz é diminuir a retribuição e o poder de compra de milhões de trabalhadores, ao ponto de as empresas terem logo percebido que também vão sair prejudicadas. Como é possível que o governo não tenha visto isto? Pela mesma razão que o Sindicato de Professores assiste calado à tragédia de milhares dos seus associados: o pânico de saber que a sua acção pode já ser irrelevante e que vale tanto não fazer nada como fazer seja o que for.

Por: António Ferreira

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