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Páf!

Editorial

Sem surpresa, mas num cenário há poucas semanas inimaginável, o governo de coligação foi derrubado pela esquerda. Os deputados do PS, BE e PCP (e também do PAN) votaram favoravelmente a moção de rejeição que os socialistas apresentaram contra o governo de Passos Coelho e, pela primeira vez em Portugal, o partido que venceu as eleições vai para a oposição e o partido derrotado é que forma governo.

Por caminhos nunca antes navegados, António Costa terá agora que navegar por águas agitadas, de negociações constantes para viabilizar medidas e governar. O Partido Comunista é desta vez com toda a propriedade o grande vencedor das últimas eleições, ou pelo menos do processo que conduz à formação do novo governo (no momento em que escrevo este texto ainda não é conhecida a posição do Presidente da República, mas o mais provável, e considerando a falta de alternativa democrática consistente e duradoura, será aceitar o governo de esquerda e empossar António Costa). Os comunistas têm nomeadamente nas empresas de transporte de Lisboa e Porto (TAP, Carris, Metro, CP, STCP…) a sua grande base de apoio, pelo que o PCP tem todo o interesse em controlar o novo governo e fazer reverter a seu favor as grandes opções de governação, nomeadamente as que incidam sobre a suspensão ou anulação da privatização dessas empresas. Desta forma estará assegurado o elo de ligação entre o partido e os seus militantes. O PCP está pouco preocupado com o estado do país, a aritmética das contas públicas, o valor do défice ou de como gerar receitas que suportem o aumento da despesa, desde que mantenha satisfeita a sua militância. Já o BE basta-lhe a festa de destronar o governo de direita.

O grave é o Partido Socialista enveredar por uma deriva de consequências imprevisíveis. Virar à esquerda é aceitável e compreensível, até porque os quatro anos de austeridade protagonizada por Passos Coelho e Paulo Portas exigiam mudanças de rumo e poucos compreenderiam que depois do estoicismo destes anos severos o PS suportasse o governo da coligação. Porém, o PS é um partido com responsabilidades e uma cultura democrática que lhe exigia moderação e equilíbrio e o que se viu foi uma enorme obstinação pelo poder.

Muito para além das consequências deste enquadramento histórico, em que a política deve ser muito mais importante do que o nervosismo dos mercados, interessa saber até que ponto e até quando o BE e o PCP têm interesse em suportar o governo de Costa. O secretário-geral do PS revelou-se um negociador hábil e sem escrúpulos, mas vai ter a vida muito difícil e sempre na dependência dos mais genuínos interesses dos comunistas. Mas António Costa também sabe que quem governa controla o poder e domina a “máquina” dos interesses, dá lugares e tira dividendos e vantagens de ter poder. E sabe, seguramente, que nos últimos 150 anos em Portugal só houve um primeiro-ministro em exercício que perdeu as eleições: Pedro Santana Lopes. Ou seja, ao contrário do que a generalidade dos comentadores têm dito, referindo-se ao putativo governo de Costa como frágil e autofágico (pasokisação) para o PS, o poder dá força e as fragilidades de hoje poderão dar vitórias amanhã, ainda que, para já, os textos dos acordos parecem longe de representar o tal acordo forte e estável e sólido para quatro anos.

Luis Baptista-Martins

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