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Os “monstros” da nossa vergonha

A sociedade parece definitivamente assaltada pela barbárie, pois os valores morais e éticos já não são moeda de troca. A semana passada, em Póvoa de Rio de Moinhos, um ‘tipo’ de 31 anos assassinou um homem para lhe roubar uns euros. Já antes tinha assaltado outras famílias e até, imagine-se, violado uma idosa de 81 anos. Acontece que estava em liberdade, bastando-lhe apresentações periódicas na GNR. Parece que, para a justiça portuguesa, ele não constituía perigo para a sociedade.

Convivemos lado a lado com gente capaz de violar idosas ou bebés. Gente que é capaz de esquartejar crianças e matar por um punhado de euros para droga. Mesmo que fossem casos isolados, já seria triste, mas a verdade é que se avolumam nos tribunais processo hediondos, como estes. A verdade é que muitos destes monstros tresloucados continuam à solta. A verdade é que muitas crianças em situações de risco continuam sem acompanhamento. A verdade é que os idosos continuam indefesos, sobretudo no meio rural. Conversava esta semana com o senhor Antonino Gonçalves, de 77 anos, em Póvoa de Rio de Moinhos. Dizia-me que sempre odiou Salazar mas tem “saudades dos tempos em que havia respeito”.

Volvidos mais de trinta anos de democracia, continuamos a esconder debaixo do tapete um submundo que nos envergonha e que teimamos em não querer ver. E quando surgem notícias como o “caso Joana” todos nos benzemos. Porém, mais do que impedir que aconteçam casos semelhantes, criticamos os jornais, ditos sensacionalistas que insistem em trazer à luz estes pesadelos, estas coisas que ninguém quer saber e ninguém quer ouvir. Mas elas existem. E talvez porque lhes fechamos os olhos ou as lançamos rapidamente para a gaveta do nosso esquecimento, elas persistem na nossa sociedade; quer no desertificado mundo rural, quer nos subúrbios das nossas cidades.

Muitos destes “monstros” são o resultado de uma sociedade incapaz de dar resposta aos problemas de exclusão que vai criando todos os dias. São o resultado de instituições que são autênticos sorvedouros de dinheiros públicos sem que sejam responsabilizadas pelo seu trabalho. São o resultado de gente medíocre que utiliza os seus cargos para vaidades comezinhas. São o resultado da ausência de políticas sociais a longo prazo. São o resultado da nossa atrofia económica enquanto país. Da nossa impotência em criar uma sociedade nova e mais justa.

É por isso urgente retomar o discurso ideológico. Pensar o que queremos da nossa sociedade daqui a cinco, dez, quinze anos. Definir novas estratégias de desenvolvimento social, pois estas políticas da selva, em que a lei da sobrevivência beneficia o mais selvagem, não traçam, certamente, o caminho que desejamos para os nossos filhos. Mais do que fechar os olhos a estes “montros” devemos olhá-los de frente. É a única forma de expiar os nossos pecados, pois somos responsáveis por cada criança que sofre maus-tratos e/ou é violada, por cada idoso que é assaltado e/ou assassinado. Todos nós somos um grande “monstro” colectivo, gerador de pequenos “monstros” que nos envergonham.

Por: João Morgado

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