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Os médicos do Pingo Doce

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Entre os que estudam cá, entre as faculdades legítimas e as construídas para agrado político, somando os de Barcelona, de Praga e de dezenas mais de lugares de formar doutores, Portugal encheu-se de candidatos a médicos. Acrescente-se que o disparate estava na expectativa de ter emprego fácil, bem remunerado e construir futuro na Saúde. Mas o caminho estava truncado no colapso da estratégia. Porquê fazer médico quem não gosta de pessoas? Porquê lançar para Medicina gente com espírito investigador e empreendedor? Porquê violar a timidez de muitos num emprego que tem muito de balconista cientista? Assim os médicos surgem em Portugal aos milhares e numa época em que o Serviço Nacional de Saúde contrai e, portanto, o número de médicos a absorver é reduzido. Há milhares de famílias que apostaram neste caminho de emprego. Não estava em causa a felicidade, mas a segurança, não estava em jogo a eficiência mas sim o conformismo. Era bom imaginar um bom aluno com um futuro certo, uma previsão sedutora. Mas o “big-bang” é uma teoria que se agrega a todos os projetos e caminhos. Se produzimos e incentivamos uma monocultura tornamos o resto um deserto e depois de tudo seco a monocultura arde sem ilusão. Assim, as famílias estão a produzir médicos para as caixas do Pingo Doce como antes fizeram advogados para conduzir táxis. Vamos assistir à derrocada de uma cidadania crente num Estado omnipresente e de segurança certa. Vamos ver o colapso de muitos jovens brilhantes empurrados num percurso ineficiente. Milhares de médicos e de enfermeiros, milhares de técnicos de saúde, fronteiras entre profissões abaladas pelo enchimento abrupto dos sectores e portanto o fenómeno do espaço preenchido esmagando as balizas e trazendo névoa e ressentimento. Vêm aí dias muito azedos na saúde.

Por: Diogo Cabrita

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