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Os incautos

Editorial

1. Como se esperava, as eleições para o Parlamento Europeu não entusiasmaram os portugueses e pouco mais de trinta por cento dos eleitores foram às urnas (34,5%). Aliás, Portugal teve mesmo uma taxa de participação inferior ao Reino Unido (36 por cento), o que não deixa de ser caricato, nomeadamente se recordarmos que os ingleses são eurocéticos “por defeito” e querem referendar a saída da União, além de preferirem manter a “velha” libra a adotarem o euro. Se a isto juntarmos o facto de o Reino Unido ser um contribuinte liquido para a Europa, não é de estranhar que muitos ingleses prefiram sair e não votem para o parlamento de uma União em crise; enquanto Portugal recebe todos os dias 11 milhões de euros que vão servindo para financiar todo o tipo de “candidaturas” e projetos de coisa nenhuma, mas em que os nossos empreendedores apostam e a nossa classe dirigente ratifica.Enfim, os portugueses abstêm-se porque já não acreditam nos políticos, porque “é sempre a mesma coisa” ou simplesmente porque não encontram motivação nem necessidade – o regime não está em causa, há conformismo e nada de extraordinariamente relevante deverá mudar.

2. Naturalmente, os resultados das eleições são sempre comparados com as anteriores. Mas se, em vez disso, olharmos para as últimas eleições legislativas (2011) teremos, aí sim, muito para refletir: O PSD e CDS tiveram (separados) em 2011 mais de 2,8 milhões de votos que permitiram a Passos Coelho e Portas, juntos, formar governo maioritário; agora, nas europeias, (juntos) PSD/CDS tiveram pouco mais de 900 mil votos. Ou seja, a coligação governamental, entre as legislativas de 2011 e as europeias de 25 de maio, perdeu quase dois milhões de eleitores – a maioria não foi votar – uma fuga massiva, para lado nenhum, naquela que foi a maior derrota da direita em Portugal. O vencedor das europeias de 2014, o PS, teve pouco mais de um milhão de votos, ganhou, mas comparativamente com as legislativas de 2011, ainda com Sócrates, perdeu quase meio milhão de votos (teve em 2011 mais de milhão e meio de votos). E quando vemos o ar de alívio de Passos Coelho e Portas percebemos que, perante a hecatombe dos seus partidos, eles interpretem o óbvio: a coligação perdeu dois milhões de votos, mas nenhum deles foi para a oposição, ficam dispersos entre os abstencionistas. Seguro gritou vitória, não percebendo o que lhe caiu em cima, e o PS só despertou ao ler no DN Mário Soares a falar de vitória de pirro. António Costa será o próximo primeiro-ministro de Portugal.

3. Sobra o vulcão Marinho e Pinto e o MPT. Contrariando todas as previsões e sendo ostracizado pelos telejornais, jornais de referência e pelas rádios (salvo as de Coimbra), Marinho e Pinto foi à procura do seu público, dos descontentes, dos fartos de pagar impostos, dos injustiçados, dos descrentes no streaming que as televisões e rádios nos fornecem diariamente. Os analistas não o viram, nem deram conta dele, preocupados que estavam a falar para o umbigo, num circuito fechado em que televisões e rádios se entediam e de que de facto ninguém quer saber, salvo quem vive do mainstream. Marinho e Pinto andou pelos programas televisivos da manhã e depois pelos da tarde, onde falou para gente pobre e triste, passou pelos lares e falou grosso, como sempre, sem pejo em denunciar o sistema de interesses e compadrios em que vivemos. Foi o “ganhador” da noite. Foi investido de populista e demagogo por dizer o que pensa e não ter «um programa para a Europa» (mas alguém tinha?). Nas próximas legislativas se verá o que vale.

4. De forma mais ou menos abusiva tiram-se sempre ilações do resultado de umas eleições para outras (como atrás também fiz). Foi o erro de Seguro. Quis colar a óbvia derrota do PSD e CDS a uma reação à crise e à austeridade, aconteceu, mas o PS ficou muito aquém do necessário para falar de castigo e de alternativa.

Crédulo, João Pedro Borges, líder da concelhia do PS na Guarda, como o secretário-geral, foi ainda mais longe e concluiu que, obviamente, os guardenses votaram nas europeias a pensar na Câmara da Guarda! O empate entre PS e a coligação PSD/CDS (ficaram colados nos 35 por cento) será, segundo Borges, um castigo a Álvaro Amaro, que já desiludiu os guardenses…

Luis Baptista-Martins

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