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Os equívocos

Vox Populi

O acto de gerir implica análise e decisão. Esta deve ser sustentada na avaliação dos cenários futuros e das soluções possíveis.

Ora, é num quadro de sucessivos equívocos que, maioria e oposição, acabam de conhecer o que já na edição de 28/12/2005 deste jornal eu antevia, quando escrevi «(…) se o Poder Central aceitar iniciar a discussão da celebração de um contrato de Reequilíbrio Financeiro com a Autarquia».

De facto, a Direcção-Geral da Administração Local (DGAL), avaliada a situação, considerou não estarem reunidas as condições necessárias e suficientes para, ao abrigo dos D.L.322/85 e 98/84, o Município da Guarda consolidar os seus passivos.

Ora, a legislação aplicável, por acaso do tempo da dupla Mário Soares/Hernâni Lopes, é muito clara e exigente quanto à possibilidade de celebração de contratos deste género. «(…) estes só poderão ser celebrados após os Ministérios da Administração Interna e Finanças reconhecerem a impossibilidade do Município promover autonomamente o seu reequilíbrio financeiro», lê-se no nº2 artigo 13º do 98/84. Confirmado pela alínea b) do artigo 2º do 322/85, que dá também como condição «o não cumprimento atempado das obrigações assumidas para com terceiros (…), depois de esgotada a utilização de todos os instrumentos legais possíveis».

É aqui que aparece o primeiro equívoco – a Câmara da Guarda «não tem impossibilidade de promover autonomamente o seu equilíbrio financeiro», nem «esgotou a utilização de todos os instrumentos legais possíveis». Enganaram-se assim, maioria e oposição, quando aprovaram, por unanimidade a declaração de “Ruptura Financeira” sem terem avaliado possíveis alternativas – por exemplo, a alienação de património não afecto à actividade principal da Câmara.

Ora a mesma legislação obriga a que, com a declaração visando um contrato de reequilíbrio, se elabore um “plano” que defina:

a) as medidas específicas para atingir esse reequilíbrio;

b) o montante do empréstimo a contratar e respectivo prazo de pagamento.

Pode-se invocar que seria prematuro realizar este plano sem garantir que o Poder Central aceitaria negociar. Mas, segundo equívoco, como se pode pedir empréstimo para liquidar o valor da dívida de curto prazo (22 milhões de euros) se não se analisaram e decidiram as medidas que viabilizariam a sua amortização?

E tratam-se de planos obrigatoriamente plurianuais, (pelo menos cinco anos – assim, para além do tempo de mandato para que se foi eleito) a que a lei obriga como condiçãomínima de acesso;

a) lançamento de derramas sobre IMI, IRC e outros impostos com uma taxa de 10 por cento.

b) fixação de taxas e tarifas obrigatoriamente actualizáveis anualmente com taxa de crescimento médio referenciada à inflação.

Exemplos de taxas (ver artigo 8º do 98/84), praticamente todos os serviços prestados pela autarquia, incluindo estacionamentos, publicidade, cemitérios, feiras mercados,etc.

Exemplos de tarifas (ver artigo 9º do 98/84), preço da água, da recolha do lixo, saneamento, transportes, etc. Estas tarifas tinham que obrigatoriamente comportar todo o custo económico, refere-se na legislação;

c) evolução das despesas correntes e de pessoal num máximo de crescimento equivalente ao previsto no Orçamento de Estado;

d) fixação de um tecto para as despesas de investimento.

Terceiro equívoco – maioria e oposição de acordo quanto a aumentos automáticos e obrigatórios, imputáveis aos munícipes que pouco ou nada, que não seja com o seu voto, contribuíram para a situação criada. De acordo também sobre a hipoteca da liberdade de agir e gerir.

Mas, felizmente para todos, a DGAL não aceita iniciar o processo com o qual sempre estive em desacordo – ver o artigo já referido – «(…) mas confesso não ser partidário de tal solução (…)».

Alternativa, já que o Sr. Presidente da Câmara reafirma «(…) nada do nosso programa vai ser posto em causa (…)», é a alienação de bens de investimento que, não sendo vitais para a prossecução dos objectivos da autarquia, podem de facto contribuir para a solução.

Consultam-se as Grandes Opções do Plano e Orçamento para 2006, recentemente aprovados, e no respectivo capítulo encontramos:

1 – alienação de terrenos -7 milhões de euros

2 – alienação de habitações -1 milhão de euros

3 – alienação de edifícios -5 milhões de euros,

e outros, num total de 13,2 milhões de euros. Bem mais ambicioso era o orçamento de 2005, obviamente não cumprido, em que para o mesmo capítulo apresentava um valor global de 24,85 milhões de euros. A diferença importante estava no capítulo de Edificios, onde constavam 17 milhões contra os 5 milhões de 2006.

É aqui que julgo poder referenciar o quarto equívoco. Maioria, que propôs e sustentou, e oposição, que, enaltecendo a nova orientação da política orçamental, se absteve, não criaram ou exigiram um plano B caso o primeiro falhasse, como falhou. Os valores previstos não chegam para o reequilíbrio.

E em gestão – e principalmente em política – é preciso ser audaz, mas impõe-se medir bem o alcance e consequências das opções. A relação privilegiada com o poder central levou-me a acreditar numa posição previamente concertada, pelo que não se justificaria um plano B.

Puro engano – de equívoco em equívoco até à dificuldade presente. Como cumprir com o prometido para quatro anos, se 2006 pode estar hipotecado pelo erro estratégico de falta de bom planeamento.

É que a correcção das opções e respectivos suportes legais pode consumir 2006. Pode ainda acrescer uma desvalorização dos bens a alienar, não permitindo quer em tempo oportuno, quer em quantidade suficiente, os valores indispensáveis ao reequilíbrio desejado.

E a economia local bem precisaria deste estímulo, sem equívocos.

Por: J. L. Crespo de Carvalho

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