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Os Culpados

Os tempos maus por que temos passado hão-de um dia ter uma explicação, tal como a terão os tempos ainda piores que nos esperam. Irão um dia escrever-se livros de história, e capítulos importantes de outros livros, porventura em manuais de economia ou finanças, tentando explicar o nosso infeliz destino. As opiniões vão dividir-se, como sempre. Haverá quem culpe as várias conjunturas internacionais, quem aponte como culpado o nosso atávico atraso e os nossos péssimos costumes. Haverá também quem diga que no fundo os culpados somos nós, os eleitores, os empresários, os trabalhadores, os associados de sindicatos e os militantes dos partidos políticos. É sempre muito mais fácil, e mais reconfortante, identificar um culpado que possa servir de bode expiatório. A religião dominante em Portugal gira sobretudo em redor da culpa e da expiação, mas mesmo assim especializámo-nos na transferência de responsabilidades.

Esqueçamos agora, por um momento, os detalhes embaraçosos: damos muito mais relevo aos direitos que às responsabilidades (e a nossa constituição trata sobretudo das primeiras); gastamos muito mais do que aquilo que ganhamos (por isso há o défice da balança comercial); somos pouco adeptos do rigor e da verdade (e por isso temos os tribunais entupidos e preferimos na discussão política as generalidades ocas aos factos verificáveis).

Omitindo esses nossos pecadilhos, talvez suficientes para explicar boa parte do actual e desgraçado estado do país, podemos encontrar ainda algum refúgio na pura e simples mmas temos os tribunais entupidos e preferimos as generalidades aos factos veá sorte: o petróleo, a crise do crédito imobiliário, as várias crises financeiras. Ou então a emergência da China, da Índia, do Brasil, a roubarem-nos mercados, a aproveitarem-se da falta de competitividade da nossa indústria, da circunstância de termos perdido anos e anos sem aproveitar as nossas próprias oportunidades.

É tudo verdade, mas há dois pequenos pormenores que me inquietam no meio disto tudo, desta conjugação de fatores que desencadeou a tempestade perfeita. É que, se pensarem bem, se não tivéssemos comprado aqueles dois submarinos e o Estado não tivesse nacionalizado o BPN, se não fossem estes dois negócios ruinosos nada disto tinha acontecido. Não se falaria em FMI, as taxas de juros não seriam uma preocupação maior do que eram no passado. Estando endividados não estaríamos pior do que muitos outros países, e o défice das contas públicas seria perfeitamente normal. Haveria má governação na mesma, que essa é uma das nossas doenças incuráveis, mas com feitos limitados: pobretes, mas alegretes.

Naqueles livros de história de que falava no início irá um dia ser contada a razão destes dois negócios ruinosos. E já repararam como o PSD está caladinho sobre o assunto?

Por: António Ferreira

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