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Os Culpados

Uma regra: se, depois de um acontecimento muito mau, vires a vítima mostrar uma tranquilidade pouca apropriada para a ocasião, é porque já tem quem culpar pelo sucedido. Uma aplicação prática desta regra: a tua equipa de futebol está a levar uma cabazada; não podes culpar o árbitro? Culpa a tua equipa, o treinador da tua equipa e o presidente do clube. Não te culpes é a ti, adepto inocente e irresponsabilizável. (Sei bem que a palavra correcta seria aqui “irresponsável”, mas foi demasiado gasta noutros contextos.)

Vem um político e promete aumentar direitos e diminuir impostos. Votamos nele. Não cumpre, aumenta impostos e diminui direitos? Não faz mal. Votamos no político concorrente, que vem dizer que, ele sim, vai diminuir impostos e melhorar os direitos de todos. Este também não cumpre, também faz tudo ao contrário? Não faz mal, votamos no primeiro. Outra vez.

Peço desculpa, mas estou aqui a verificar um padrão. Peço desculpa de novo, mas começo a concluir que o mal está, não nos políticos, mas em nós. Votamos em partidos como se estes fossem o clube de futebol de que somos adeptos. O que o PC, o PS, o PSD, ou qualquer outro dizem está sempre bem, sem lugar a qualquer espaço de crítica. No PC, o partido tem sempre razão. No PS e no PSD, o adversário nunca a tem. O voto tornou-se assim uma expressão acrítica da forma como gostaríamos que o país fosse governado. Não votamos mais pelas nossas ideias, cada vez mais delegadas e cada vez menos fundamentadas, mas sim contra alguma coisa. A veemência deste voto, cada vez mais assente em fanatismos, em pressupostos irracionais, em teimosias, e cada vez menos nas conclusões que deveríamos retirar das desgraçadas experiências anteriores, vai-nos arrastando para “isto”.

“Isto” são centenas de milhares de desempregados, uma economia de rastos, um país desequilibrado e disfuncional, são erros que levarão várias gerações a ser corrigidos, são milhões, desgraçadamente, à espera, mais uma vez, de um pobre trafulha que lhes volte a acenar com promessas impossíveis de cumprir.

É fácil culpar o trafulha, não é? Mais uma vez alguém nos enganou, se aproveitou da nossa boa fé, da nossa credulidade – da incrível e muito portuguesa tradição de, mais do que escolher quem nos governe, preferirmos arranjar quem, por nós, arque com as culpas de todos.

Por: António Ferreira

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