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Os contrastes no país dos contrastes

Agora Digo Eu

Quando Luíz Vaz de Camões cantou o peito ilustre lusitano numa obediência cega que Neptuno e Marte tiveram de cumprir, a partir daí um outro valor mais alto se haveria de levantar, espalhando por todo o universo os feitos de tão famosa gente, estava longe de perceber que o dia da Pátria seria em sua honra, no respeito pela epopeia que nos legou e que irá perdurar por todos os séculos. Poucos povos têm esta capacidade de homenagear um poeta no seu dia nacional. É isto que felizmente nos distingue de todos os outros.

Foi em 1267 que foi assinado o tratado de Badajoz unificando os reinos de Portugal e Algarves e, desde aí (tirando algumas aventuras de meia dúzia de idiotas dos Açores e da Madeira no tempo de PREC) o nosso país não teve nem tem nenhum problema de identidade nacional onde todos nós (sem exceção) falamos a língua de Camões, contrastando isto com inúmeros povos europeus onde os separatismos e as identidades culturais são mais de muitas. Basta olhar para os recentes episódios da vizinha Espanha onde são faladas quatro línguas (castelhano, catalão, basco e galego).

Na Bélgica, flamengos, valões falam neerlandês, alemão, francês, holandês. Na França luta-se pela independência do país basco, da Córsega, da Bretanha; na Itália pela Lombardia, Umbria, Sardenha; na Rússia pelo Cáucaso, Ossétia do Norte e até na Dinamarca as ilhas Faroé, que falam o faroesa querem ser independentes.

Citando Camões, o cantinho à beira mar plantado continua a ser «a ditosa pátria minha amada» e, não fosse o pequenino problema de Olivença (que pouca gente já reivindica), tínhamos todos os problemas resolvidos.

A nossa gente é boa, generosa, participativa, somos um povo onde a confiança existe, politicamente sabe-se estabelecer pontes, os grandes focos de conflito estão completamente ausentes, assentando a pequena, mas cada vez mais crescente criminalidade, nas descrições da toda a imprensa com destaque para as páginas do “Correio da Manhã” e nas extensas reportagens da CMTV.

A semana passada foi mais um sucesso.

Se Guterres é já secretário-geral da ONU, se ganhámos o festival da Eurovisão, se somos campeões europeus de futebol, Ronaldo, o melhor do mundo, recebe agora a sua quinta bola de ouro, Centeno é eleito para o Eurogrupo, somos o melhor destino turístico insular e de território do mundo, faltando apenas perceber a troca da caixinha de bombons pelo rebuçado na única explicação possível de gaijo-porreirismo, na ida do Infarmed pro Porto. (Haja Deus).

Milhões de portugueses participam voluntariamente em associações, Lisboa está na moda, Portugal é um país seguro, com clima ameno, boa oferta e custo de vida baixo e, já agora, é o momento exato de falarmos nos dois milhões de pobres efetivos, dos três milhões do salário mínimo, da classe média que a direita estupidamente quase extinguiu, dos cinco milhões isentos das taxas moderadoras no SNS.

Somos campeões nas apostas de jogos e lotarias. Temos percentualmente o maior número de telemóveis de todo o espaço europeu. Esgotamos nas imobiliárias as casas de luxo. Somos os maiores a levantar dinheiro nas caixas multibanco. Procuramos as melhores estâncias de férias. Temos o primeiro lugar no pódio no consumo de tabaco, álcool, drogas, assaltos a caixas multibanco, tuberculose, sida, desresponsabilização, e isto sem esquecer as notórias desigualdades e o mais baixo salário mínimo, entregando benesses, como ninguém, aos ricos, gestores e políticos em elaboradas e manhosas operações da chamada política chica-esperta e engenharia financeira nojenta. Citando novamente Luíz Vaz, «Ditosa Pátria que tais filhos tens».

Nesta comparação de todas as diferenças é possível afirmar que os contrastes são demasiadamente visíveis e evidentes, no país dos brandos costumes, chegando-se à triste conclusão que talvez não seja uma questão de mentalidade mas seguramente de permissibilidade nos jogos de interesse e completa condescendência na atuação.

Por: Albino Bárbara

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