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Os amanhãs que cantam

Editorial

Entre a comemoração do 25 de abril e o Dia do Trabalhador o país vai-se abstraindo da realidade difícil em que vive. Para além da celebração da Liberdade, não há razões para festejar. Até o 1º de Maio parece uma quimera de outrora para celebrar o trabalho que não há ou os direitos laborais que se vão desprezando por entre mais de um milhão de desempregados.

À beira de um ataque de nervos, os portugueses querem acreditar “nos amanhãs que cantam”, mas sem os sacrifícios redentores que o marxismo defendia para atingir “o futuro radioso”. Enquanto os dinossauros do sindicalismo contemplam a morte das empresas e a destruição massiva de emprego com um discurso desestruturante, arcaico e sem esperança, os trabalhadores vivem deprimidos olhando para o chão com medo do dia seguinte.

Já nem os comunistas acreditam que dos escombros do capitalismo pode nascer uma sociedade mais justa e humana, expurgada de todos os males da propriedade privada e do lucro, considerados a origem de todos os males da humanidade.

Os tempos que vivemos, este tempo, são tempos de cólera pelo empobrecimento a que estamos votados, pela incerteza que nos é constantemente transmitida, pelo medo de viver.

Mas também é um tempo de oportunidades – dizem-nos todos os dias, mesmo que nos custe a acreditar. O “mudar de vida” que as circunstâncias determinam promete melhores dias na diáspora, a realização de sonhos em territórios distantes, o cumprir de promessas de tempos melhores não se sabe onde.

O que sabemos é que pelo meio de tanta dificuldade há sempre quem saia a ganhar. Ganham as empresas que exportam com custos mais baixos e melhores benefícios; ganham as empresas de distribuição que pagam salários cada vez mais baixos aos licenciados que vão trabalhar como caixas de supermercado e, na sua guerra de preços, estão cada vez mais cheias de clientes que já esqueceram o comércio tradicional; e ganham os que não têm escrúpulos e perante a falta de emprego espremem os trabalhadores, extinguindo direitos, infringindo horários e pagando cada vez menos.

No 1º de Maio devemos recordar não apenas os ganhos civilizacionais do último século, mas também o que se pode perder em poucos anos com a crise. Devemos recordar que os direitos conquistados no “ocidente” não são universais e há milhões de pessoas no mundo que continuam a ser exploradas e oprimidas, e que esses direitos são o resultado de muitos esforços e sacrifícios e não queremos, não admitimos, prescindir deles. A crise não pode destruir tudo. É tempo de recomeçar, de levantar a cabeça e olhar de frente para os problemas pois só assim podemos renovar a esperança e acreditar nos amanhãs que nos cantam, mesmo que não sejam tão cristalinos como alguns nos querem fazer crer.

Luis Baptista-Martins

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