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O veto e o voto

Bandarra-Bandurra

Qualquer dicionário rasca – mesmo dos que aderiram precipitadamente ao novo acordo ortográfico da pretensa “língua” brasileira com o pretendido “dialecto” português – tira as dúvidas sobre os vocábulos que titulam este arrazoado. O veto significa, em política, a recusa do consentimento à promulgação de uma lei; o voto, em política, com mais amplitude significa o direito de escolher, eleger, aprovar ou rejeitar.

Dois termos que quase se confundem foneticamente, estão porém distantes numa boa enciclopédia (na Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira estão à distância de dois volumes e, pelo meio, lá os separam topónimos da nossa região, como é Vila Cortês ou Vila Nova de Foz Côa).

Pois o veto e o voto têm sido as duas pedras de toque do actual Presidente da República, Deus o ampare! Quando veta, pensa no voto e quando pensa no voto, não veta. Isto parece muito complicado: para nós, não é; para ele, sim. Um voto não arrasta sequer um veto, mas um veto pode significar milhares de votos. Este dilema é terrível. Se eu fosse Presidente da República – e livre-nos Deus que eu algum dia o fosse – passaria horas do dia e da noite a pensar se devia vetar esta ou aquela mal parida legislada, mormente se saísse desta descambada maioria relativa. No entanto, se me caísse na mesa presidencial (relembro que estou no campo da ficção), o projecto de lei da AR que prevê o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo, não o promulgaria, ainda que soubesse que esse veto, com o peso meramente político, não iria impedir a sua publicação. Mas eu sou eu e Cavaco é Cavaco. Eu não sou nem serei presidente da República. Cavaco é e pretende continuar a sê-lo.

Por incrível que pareça, não são apenas os vetos e os votos que condicionam ou cimentam a governabilidade do País, mormente quando ela é má, como ora se observa. O papel principal cabe às agências.

Na contra-luz do programa do computador onde escrevo, posso observar (adivinhar) algum pasmo vosso: as agências ?! Pois, sim, as agências. Não são as agências funerárias, que nos tratam e tratarão de encaixar, num baú apropriado, o esqueleto; não são as agências bancárias, que se preocupam fundamentalmente em atestar os bolsos dos banqueiros; não serão decerto as de contribuintes, que laboram na mira de esconder algum contributo à voracidade do fisco; nem são, asseguro, as agências de seguros, absorvidas que estão em assegurar o pagamento dos prémios estipulados nos contratos e a fugir ao cumprimento do risco; não são as agências imobiliárias, empenhadas em fazer passar gato por lebre e a fazer, do velho, novo; nem, enfim, as agências de viagens, nas suas ofertas de paraísos onde, por vezes, as condições são pouco melhores que as obtidas por Robinson Crusoe na sua ilha.

São apenas duas espécies, as malandras: as agências de sondagens e as agências de “rating”. Umas sondam e as outras “ratam”. As primeiras avisam qual é o estado moral do Zé votante, enquanto as segundas atribuem classificações de risco para fazerem mais furos no cinto do Zé pagante.

Está bom de ver que estas duas calamidades agem com “liberdade”. Usam-na para o bem ou para o mal? Interrogo-me e não sei. Não deixo de ler e de ouvir, por alto, os cataclismos das suas conclusões e análises, das percentagens e das letras AA mais e AA menos (como se nos fizessem análise ao sangue – o trabalho é sangue).

Quanto às sondagens, ganha este e perde aquele, sobe A e desce B, mais percentagem para o líder Alfa, menos percentagem para o líder Beta. A coisa é caseira, influencia os influenciáveis, repercute-se em parte dos resultados nas urnas e amedronta os que, fartinhos do governo, o pretendem deitar pela janela fora. Nem sequer podemos fazer como aquele deputado do PS, o senhor RR, que saiu da entrevista “à papo-seco” com os gravadores nos bolsos.

No que toca às agências de rating (em luso-vernáculo, ratazanas), a coisa pia mais fino, mexe com o País, com os fracos cobres que restam da “pesada herança”, com o esbulho “à doida” dos que já contribuem “à séria”. Pelo que ouço aos noticiosos são os avatares da coisa a Fitch Ratings (a mesma que dava alta pontuação à fanada Lehman Brothers uma semana antes de falir), a Moody´s (que avaliou em alta a Lehman e os bancos da Islândia, antes de submergiram no mar gelado da falência) e a Standard & Poor´s (que, parecendo uma marca de roupa, nos tem chegado a roupa ao pelo, sem cuidar que avaliou também em alta a finada Lehman e alardeou como modelo a economia da Islândia, pouco antes de esta ir ao charco). Agência que não presta e faca que não corta, “hélas”, que se percam pouco importa, diria o Zé, fartinho desta rebaldaria económica de prognósticos.

Nada me admira que, atrás destas cortinas, estejam os golpes baixos da política internacional, interesses económicos e proteccionismo de moedas estranhas ao euro; aliás, mais política de pacotilha e de interesses, só nas votações dos festivais da Eurovisão.

As tochas incendiárias que vão estorcegando a paz e o trabalho do Zé, têm sido benéficas para alguns, na forma como são aproveitadas para inexplicar a má governança, levando à união da situação com a oposição numa cruzada onde não se distingue o avesso do direito da casaca e da sobrecasaca. A nuvem de fumo, o papão, a auscultação do pensamento votante de alguns que se tomam pelo todo, auxiliam numa primeira vaga quem está no pleno uso do Poder.

Casamentos com pares do mesmo sexo, vetos, votos, sondagens e ratings, são matérias que mandam o Zé à fava enquanto a ervilha não enche. E o Zé, aquele que realmente ganha do seu trabalho, espremido por via disso e muito mais, vê mirrar o úbere do contributo; e o Governo, na ânsia de acorrer aos deficits aperta o amojo, ciente do ditado – “quanto mais se ordenha a vaca, maior é a teta”.

Ele é para o TGV, ele é para as travessias e para as travessuras, ele é para o rendimento de inserção, mínimo e máximo, ele é para as igualdades que nos deixam cada vez mais desiguais…

Esta mania das modernices ainda nos há-de perder a todos!…

Por: Santos Costa

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