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O Verdadeiro Almanaque Borda d’Água – Para 2008 (Bissexto) Célia Cadete (dir.), Editorial Minerva 24 pp, 1,40 €

observatório de ornitorrincos

Da mesma forma que a Konami lança anualmente no mercado uma versão do Pro Evolution Soccer, também a Editorial Minerva nos oferece no início de cada ano uma renovada edição de O Verdadeiro Almanaque Borda d’Água (OVABA). A mais recente – Para 2008 (Bissexto) – é um exemplo de reiteração de uma obra clássica. A par com o World in 2008 da Economist e com o anuário da revista Time, OVABA é um dos opúsculos de referência no âmbito dos almanaques informativos. 2008, informa o subtítulo, é ano bissexto. O prefácio (“Ano Bissexto”, Célia Cadete) alude também à bissextualidade do novo ano, mas a aparente unicidade temática termina aqui. Não há outra alusão ao facto, excepto a menção óbvia ao dia 29 de Fevereiro, dia de “S. Herculano, quarto minguante e tempo instável”.

A obra tem textos de carácter mais literário e outros mais empíricos. Nestes últimos encontramos informações sobre festas e feiras, os santos de cada dia, conselhos para a horta e o jardim, tabelas sobre as fases da Lua ou as marés. Saliente-se o cunho globalizante de OVABA, ao publicar corajosamente a lista dos eclipses de 2008, mesmo o 7 de Fevereiro, apenas visível na Antárctica e na Austrália. Nas páginas dedicadas aos conselhos para cada mês, o texto “Dezembro” instiga o leitor a proteger e acarinhar o gado. Merece no entanto alguma crítica a ausência de indicações para tratamento dos animais nos capítulos de “Março”, “Julho”, “Setembro” e “Outubro”. OVABA também não evita repetições. O almíscar surge tanto para os “líderes”, nascidos em Agosto, como para os “amigos”, nativos do mês de Outubro. A rever em próximas edições.

A abordagem literária da edição Para 2008 (Bissexto) inclui uma análise psicoepistemológica sobre o chá dos Açores e os estados de alma que provoca (o chá, não a análise) e um alerta cívico-ecológico do género queixinhas sobre o aquecimento global. A fechar, saído da mão da directora, o refulgente texto “O Juízo do Ano”, pleno de experimentalismo sintático-morfológico e puro teor lamecho-pessimista. Após avisar que o fim do mundo não estará distante, Cadete oferece-nos uma oração que marcará a literatura contemporânea: “sabemos-sentindo que o amor (“é”) uma mediação”. Isto é, não sabemos-pensando nem percebemos-sentindo. A inovação de acoplar por meio de hífen dois verbos em tempos distintos mereceria louvores do desconstrucionismo linguístico. Mas a dupla irreverência de colocar o verbo ser simultaneamente entre aspas e entre parêntesis leva-nos a considerar que este OVABA 2008 (Bissexto) figurará seguramente no cânone do surrealismo lusitano, ao lado de Alexandre O’Neill ou mesmo, quem sabe, de Nel Monteiro.

Por: Nuno Amaral Jerónimo

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