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O valor de uma fotografia

Opinião – Ovo de Colombo

Há pouco tempo atrás, um aluno perguntava-me por que motivo os alemães Bernd (1931-2007) e Hilla Becher (n. 1934) eram tão importantes e o que é que as suas fotografias tinham de tão especial. No momento, outros colegas anuíram à vacilação em aceitar aquelas imagens, mostradas numa sala de aula, como consagradas obras de arte contemporânea. Não recordo exatamente o que respondi, mas consenti que o debate fugisse para o juízo de uma obra de arte e do seu valor (simbólico e económico). O que o meu aluno com certeza não saberá, é que no passado dia 29 de maio, a leiloeira Sotheby’s vendeu uma das clássicas obras dos Becher por 51.900 € e, no mês anterior, a mesma casa leiloou em Nova Iorque, o conjunto “Blast Furnaces” de 1963-70 por 87.000 €. Assim, se o valor artístico é mais complicado de arguir, o valor financeiro de uma obra dos Becher, no mercado atual, tem um número concreto: no limite aquele que algum interessado esteja disponível para dar, mesmo que para muitos pareça uma exorbitância.

Na senda da objetividade e do purismo da fotografia alemã dos anos 20 e 30, o casal Becher (a trabalhar em conjunto desde 1959) fixou-se no tema das arquiteturas industriais (silos, depósitos de água, fornos…), apresentando conjuntos fotográficos a preto-e-branco, sem registo de figuras humanas, com a maior neutralidade possível, consubstanciando uma linguagem de grande simplicidade formal e de cariz taxonómico. Método e aproximação disciplinar muito influentes na geração de fotógrafos que passariam pela Kunstakademie de Düsseldorf, onde os Becher foram docentes durante várias décadas. Assim, agrupados sob a designação “Escola de Düsseldorf” ou “Escola dos Becher”, artistas como Candida Höfer, Axel Hütte, Thomas Struth, Thomas Ruff e Andreas Gursky contribuíram para que, na década de 80, a fotografia alcançasse um lugar privilegiado na arte contemporânea, quer nos circuitos expositivos quer ao nível da crítica e do mercado.

Mas a importância dos Becher não reside apenas no seu trabalho enquanto mentores de vários artistas fotógrafos que alteraram o panorama internacional da fotografia. As suas obras traçaram um outro caminho para a fotografia artística, autónomo, sem narrativa, onde técnica e criação artísticas recuperam o valor documental da fotografia, captam a realidade sem cair nos registos subjetivos, líricos, ilusórios ou pictóricos ainda celebrados por muitos dos seus antecessores e coetâneos europeus e americanos.

Tânia Saraiva*

*Historiadora e crítica de arte. Docente na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra

Próxima semana: Sérgio Dias Branco

Bernd e Hilla Becher, Blast Furnaces, 1963-70 (imp. 1999)

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