P – Quais são as grandes opções para os próximos quatro anos em Seia?
R – O desígnio dos nove anos em que presido à Câmara tem a ver com a redução da dívida. No primeiro mandato procurámos soluções para a dívida estrutural, que era da ordem dos 57 milhões de euros. O objetivo era podermos funcionar e fazer uma gestão tão equilibrada quanto possível, indo ao encontro dos desígnios de bem-estar e qualidade de vida da população. A solução foi um plano de reequilíbrio financeiro em que acordámos o pagamento da dívida, reestruturada para 45 milhões de euros, em 20 anos. Na altura concorreu um sindicato bancário, constituído por cinco bancos, com o qual conseguimos negociar e deixar cerca de 12 milhões de euros de fora. Fomos, de forma muito rigorosa, cumprindo as condições impostas e desde então conseguimos baixar duas vezes estes valores em cerca de dois por cento em cada um dos cinco bancos. Atualmente, o rácio entre dívida total e o valor das receitas médias correntes dos últimos três anos é inferior a 2.25, o que nos permite recorrer novamente à banca em condições mais favoráveis. E nestas circunstâncias fomos ao mercado para um montante de 37,7 milhões, que é o resultado da dívida do plano de reequilíbrio, mais o PAEL, ao qual também recorremos na altura.
P – Qual é o valor de dívida?
R – O valor global é exatamente 37,7 milhões de euros. Há mais algum relacionado com os tais 12 milhões que estavam fora daquele “bolo”, mas que baixaram de forma assinalável e têm encargos pouco significativos relativamente ao que estava no PAEL e no reequilíbrio financeiro.
P – Quais foram as consequências para Seia desses dez anos de sufoco financeiro?
R – As opções tiveram que ser muito criteriosas face aos compromissos assumidos porque para nós compromissos assumidos são compromissos cumpridos. Isso obrigou-nos, por exemplo, a um aproveitamento muito maior dos fundos comunitários e teve influência no próprio modelo de desenvolvimento que fomos criando na aposta na localização geográfica do concelho e na potencialização de ideias e projetos associados à montanha, ao ambiente e produtos endógenos. Temos projetos ligados às Aldeias de Montanha, depois alicerçados na própria realidade local porque essa é a única maneira de fazer com que possam ter sucesso. Esta aposta já começa a dar os seus frutos. As próprias estatísticas vão traduzindo isto em termos de hóspedes e dormidas entre 2014 e 2016. Relativamente aos 100 concelhos da região Centro, Seia surge em 18º e 19º nestas modalidades, mas em termos de turismo em espaço rural estamos em primeiro no ranking regional (Centro).
P – Seia tem sido dos municípios que mais habitantes tem perdido. O que vai fazer para contrariar essa tendência?
R – É assim porque é também dos concelhos que tinham, ou têm, mais gente. O nosso principal problema é mesmo o despovoamento do território porque quem parte é quem está mais disponível para arriscar, são as gerações mais novas. À semelhança de outros concelhos temos implementado um conjunto de políticas para contrariar esta regressão demográfica, caso dos incentivos à natalidade ou adoção.
P – Quais são os incentivos?
R – Não acredito na atribuição pura e dura de um subsídio no momento do nascimento, como se isso resolvesse tudo. Nós distribuímos a ajuda durante três anos sob a forma de mensalidade, diferenciada e decrescente, dos 50 aos 20 euros. Os beneficiários têm que ser residentes no concelho e devem fazer os seus gastos no comércio local. Mas não acreditamos que o caminho seja só e unicamente por aqui.
P – O que tem feito a Câmara, ou pensa poder fazer nos próximos tempos, para inverter esta tendência de partida?
R – É preciso gerar um conjunto de condições para quem tem tido a capacidade de resiliência para continuar a viver num território como este. Não podemos distribuir riqueza se, eventualmente, a montante não a conseguimos criar, sendo que a grande chave da resolução de toda esta problemática tem a ver com a criação ou manutenção dos empregos. Mas nem tudo depende da iniciativa do município, também há um conjunto de medidas do Estado que devem contribuir para facilitar esta situação. No caso de Seia a nossa aposta consubstancia-se em ter um território ótimo para viver e visitar, mas que também tenha outras oportunidades para quem quiser investir.
P – Seia foi um território tradicionalmente industrial, mas o têxtil quase desapareceu. Hoje, há outra indústria, a do turismo. Essa é a aposta para o futuro?
R – Sim. Mas costumo dizer que o turismo não pode ser “a galinha dos ovos de ouro” porque quando a temos a tentação é abrir a galinha, retirar os ovos e ficarmos sem galinha. Acredito nas potencialidades do concelho, utilizando-as de forma transversal aos diferentes setores de atividade. Hoje temos projetos sempre desenvolvidos com a iniciativa privada, num contexto de eventos ao longo do ano e que têm gerado um conjunto de oportunidades para a economia local.
P – A Serra da Estrela é a âncora do desenvolvimento do concelho?
R – Sim, com a rede de Aldeias de Montanha, neste momento alargada a 41 localidades de oito ou nove concelhos da Serra da Estrela, de forma organizada e que potencia a existência de outros eventos diversificados. Temos o Seia Jazz & Blues, sempre com a preocupação de irmos ao encontro dos desejos da cultura e do desporto associados à Serra em termos de turismo de natureza e desportivo, e também as festas do concelho. E cá temos mais uma das situações em que, naquele momento mais difícil, fomos penalizados porque não era possível contratar determinados artistas. Temos ainda o Skyroad, em parceria com as Câmaras de Gouveia e Manteigas, em que ciclistas amadores sobem à serra e onde participaram no último ano 1.300 atletas. É uma coisa extraordinária do ponto de vista da economia local, pois a restauração e o alojamento ganham com a vinda de amigos e família dos participantes. Outro é o “Oh Meu Deus Ultra Trail Serra da Estrela”, que se realiza em junho e tem trazido cerca de 500/600 atletas, este ano contamos que sejam mais. São provas de 160 e 40 quilómetros a pé. Mas em complementaridade vamos realizar duas novas provas de “up hill” em setembro, numa semana dedicada à montanha, Trata-se de uma subida a pé até à Torre, num percurso de cerca de 25 quilómetros, que, dizem os especialistas, é destinado a pessoas dos 8 aos 80 anos. E outra com um caráter muito inovador, pois o desafio é seguir as ligações entre a Lagoa Comprida e as centrais de produção elétrica no Vale do Alva, subindo entre Vila Cova à Coelheira e a Lagoa Comprida, num percurso na ordem dos 14 quilómetros. É no consubstanciar destas situações que se junta o festival de cinema ambiental CineEco, em outubro, e as festas do concelho, em agosto, como bandeiras de promoção do concelho de forma a atrair e desafiar empresários a serem motores de desenvolvimento em Seia.
P – E até que ponto se poderá dizer que Carlos Camelo não tem oposição em Seia?
R – Isso é algo que não me preocupa porque não sou eu que escolho os meus adversários. Mas, no contexto local, tem havido situações que não têm ajudado a oposição a ter muito espaço. Tem havido uma flutuação de candidatos, uma luta interna que muitas vezes é fratricida e, porventura, não ajuda a que as coisas possam desenvolver-se. Confesso que não sou presidente de Câmara por paixão, mas não cheguei aqui por acidente porque antes fui vereador, primeiro sem estar a tempo inteiro e depois, em 2005, como vice-presidente. Cheguei à Câmara em 1989, fiz um interregno entre 93 e 97 e depois sempre estive por aqui. A minha paixão era a escola e essa coabitação com os mais novos com certeza que me ajudou, que mais não seja a tentar inverter um pouco o paradigma da ação, até porque as condições quando cheguei também trouxeram exigências novas. Não me esqueço de algumas delas, como não podermos contratar e mesmo, em determinado momento, termos dificuldades para pagar os vencimentos.
P- Acredita que o IC6, IC7 e IC37 alguma vez serão construídos? E ainda faz sentido defender os túneis da Serra?
R – Não sou grande apologista dos túneis. Já a questão dos IC’s é motivação acrescida para territórios como o nosso, que estão encravados e que o Plano Rodoviário Nacional teima em não ir ao encontro das nossas exigências. Eles estão lá, mas entre aquilo que é verbalizar as situações e passar à prática, nestas e noutras circunstâncias sabemos qual tem sido a prática dos diferentes Governos. Temos dois tipos de reivindicações, umas que têm a ver com o maciço central e onde as soluções podem ser múltiplas, e outas com a ligação entre os dois lados da serra. Sabemos que as dificuldades económico-financeiras do país são o grande obstáculo para as coisas acontecerem, mas a verdade é que algumas zonas do país têm sentido mais que outras essas dificuldades. Todos falam agora da questão do interior, das soluções para o seu desenvolvimento, mas é preciso deixar de verbalizar para efetivar e já no Orçamento de Estado de 2019. Nas acessibilidades, o compromisso que os diferentes autarcas da região assumiram entre si e propuseram ao Governo anterior era concluir o IC6 entre o ponto onde está hoje e Folhadosa. E depois avançar com o IC7 e o IC37, Viseu-Seia, que ganha maior importância devido ao que está projetado em termos de ferrovia. Também defendemos melhorias no IP3 e não podemos esquecer a EN17.
P – Enquanto não se vislumbram esses projetos de raiz defendidos há tantos anos na corda da Serra, não faz sentido lutar pela melhoria dessa estrada nacional?
R – Esse é o nosso trabalho diário. Mas do outro lado temos orelhas moucas e um conjunto de projetos de ação que trazem algumas melhorias na via. Estão a chegar ao limite do concelho de Oliveira do Hospital e a promessa é que avançarão mais em 2019, embora gostássemos que após terminar esta fase se continuasse com alguma requalificação estrutural da EN17 no concelho de Seia e depois para Gouveia e Celorico. A empreitada representa um investimento da ordem dos 5,5 milhoes de euros. O nosso desejo é que estas obras sejam feitas o mais rapidamente possível e portanto a nossa pressão tem sido para que elas aconteçam no momento. É evidente que isso deve acontecer sempre em paralelo com a exigência do IC6, IC7 e IC37, que representam um investimento de cerca de 450 milhões de euros. Este bocadinho do IC6 são cerca de 38 milhões e essa obra seria como “pão para a boca” para concelhos de Seia e Oliveira do Hospital.
P – O concelho de Seia foi um dos mais afetados na região pelos incêndios. Como viveu esse drama?
R – O nosso incêndio terminou a 17 de outubro por obra e graça de uma chuva que apareceu de maneira divina. O fogo desenvolveu-se num contexto muito difícil e como fenómeno natural, associado a outras questões, que deixou todos praticamente indefesos em termos do combate durante aqueles três dias. Tivemos cerca de 43 por cento do nosso território ardido. Tivemos casas ardidas, de primeira habitação (80) e de segunda habitação (160). Na apresentação de ações emergentes ficaram cerca de 32 de primeira habitação, em valores que obrigam que seja a CCDR a fazer a gestão destas situações. Há outros problemas correlacionados com empresas, perdas de bens agrícolas e produções às quais, de uma forma ou outra, o Governo tem sabido responder. A adjudicação das obras nas casas, até por questões económicas, vai acontecer em consolidação de territórios (Seia, Nelas e Gouveia). Quero deixar um agradecimento sincero aos diferentes atores que na altura estiveram no terreno e com a ajuda das populações minimizaram os problemas dantescos que o concelho viveu. Tivemos três perdas humanas, infelizmente. Agora é o momento do trabalho… Por exemplo, estão a nascer duas empresas que sucumbiram no incêndio, mas os empresários mudaram o seu local de produção para a área empresarial da Abrunheira. Só para a morte, infelizmente, não há solução.
P- Em tempos defendeu a saída do hospital de Seia da ULS da Guarda, já mudou de ideias?
R – Eu nunca afirmei isso. O que disse é que o Hospital de Seia não deve ser tratado apenas para servir a estatística do Hospital da Guarda ou servir de apêndice. Se o Nª. Sra. da Assunção, integrado na ULS, existe é para prestar assistência médica num conjunto de valências que podem e devem continuar para que as pessoas aqui se sintam salvaguardadas. Temos perdido valências na Oftalmologia, Cardiologia, Ortopedia e Cirurgia Ambulatória, mas quando funcionávamos como hospital de terceiro mundo tinhamos níveis de produtividade excecionais no bloco operatório, onde se faziam cerca de duas mil intervenções por ano. Hoje não sei exatamente qual é o número, mas andará nas poucas centenas. Há situações em que Seia não responde, mas a Guarda também não, o que significa que não responderá aos utentes de Seia. E nesta questão concreta da Cirurgia, muita dela acaba por se fazer no privado e num concelho vizinho. Não tenho absolutamente nada contra, mas é incompreensível que os impostos de todos nós não possam ser utilizados da melhor forma possivel. Portanto, as minhas declarações foram no sentido de capacitar o Hospital de Seia em termos de oferta de cuidados médicos, de valências e de outras circunstâncias que possam traduzir-se em mais-valia para a unidade. O meu desejo não é mudar, mas sim melhorar as condições que os nossos utentes têm.
P – Após um processo mais demorado que o esperado, foi eleito presidente da Comunidade Intermunicipal das Beiras e Serra da Estrela. O que é preciso fazer diferente para que esta estrutura se consolide e comece a ter resultados concretos? Quais são as suas principais opções?
R- Estamos sempre condicionados por um pacto que vale cerca de 45 milhões de euros, que vigora durante determinado tempo e que converge com os quadros comunitários. Nessa circunstância, de acordo com as regras, o que acontece é que há um conjunto de projetos que tocam de forma mais ou menos forte os 15 municípios da CIM. Mas é evidente que a CIM não se esgota neste contexto, há um conjunto de projetos que, em parceria, são levados por diante e ligados à questão do despovoamento, envelhecimento e empobrecimento desta região. Vamos ter, num momento muito próximo, um grande desafio quanto à reprogramação do atual quadro comunitário e que devemos aproveitar ao máximo para valorizar e desenvolver este território. Gostaria de desmistificar a ideia de que a CIM não trabalha e tem um défice quando comparada com as restantes. Esta comunidade nasceu de forma diferente de qualquer outra ao resultar da simbiose de duas comunidades e isso, logo no início, inibiu significativamente a sua ação. Só tínhamos praticamente os secretários executivos como membros da equipa e os níveis de produtividade interna tinham por isso sido bastante difíceis de concretizar, mas, na hora da verdade, na apresentação e na execução dos pactos, não temos absolutamente nada com que nos preocupar relativamente aos outros.
P – A CIM ainda não se afirmou na região, ainda não é reconhecida e as pessoas ainda não sabem muito bem para que serve e o que faz. O que vai fazer para mudar essa perceção?
R – Poderá haver eventualmente um problema de comunicação de dentro para fora. Essa ideia de que a CIM tem funcionado num contexto de cada um por si não corresponde à realidade porque essas questões tidas de uma forma individual são geradas em termos de sinergias no contexto dos 15 municípios e que relevam com valor acrescentado no que toca à comunidade. O problema da eleição tardia tem a ver com um conjunto de entendimentos e de equilíbrios que internamente há necessidade de gerar. A minha disponibilidade teve muito a ver com isso porque compreendi que, para a própria comunidade, ia ao encontro da tal estabilidade e do tal consenso que poderia ser gerado.
Perfil:
Filho de um funcionário da EDP e de uma doméstica, Carlos Filipe Camelo nasceu na Guarda «por acaso» e foi batizado na Sé, mas sempre viveu em Seia.
Estudou no antigo Colégio Simões Pereira, então secção liceal do Liceu da Guarda, antes de rumar a Coimbra onde se licenciou em Economia na década de 80. Cumprido o serviço militar regressou à cidade natal como professor na escola Secundária local, de onde saiu em 2005 para a Câmara. Pelo meio lecionou um ano (1989/90) em Castro Daire, na Escola Profissional da Serra da Estrela e noutros estabelecimentos de ensino como complemento à sua atividade no setor público. Integrou os órgãos de gestão da Secundária durante meia dúzia de anos. «Quando passei a tempo inteiro na Câmara tive alguma dificuldade nos primeiros anos. Por várias vezes dei por mim, de manhã, junto à escola», lembra. Atualmente, assume que lhe faz falta a relação com os jovens, uma convivência que compensa com os netos e com a participação, em representação da autarquia, nos órgãos de gestão da escola senense.
Com 57 anos, Carlos Filipe Camelo esteve ligado às coletividades locais, jogou futebol na União Desportiva, o seu clube «do coração», e chegou a competir no Nacional da IIIª Divisão pelo Oliveira do Hospital. «Mas tive uma lesão e fui obrigado a parar durante metade da época e acabei por “pendurar” as chuteiras. O futebol era uma paixão e hoje é um hobbie que continuo a praticar nas minhas poucas horas livres», adianta o presidente da Câmara de Seia. Casado, com dois filhos e dois netos, diz-se um homem «cem por cento dedicado à família» e um apaixonado pela leitura, as questões ambientais e o cinema. Mas acrescenta que não gosta de estar fechado numa sala: «Causa-me claustrofobia», justifica. Quando terminar o mandato vai regressar à escola «sem qualquer problema», mas ressalva que «o futuro a Deus pertence e vamos ver o que nos reserva».
Em termos políticos não tem outra ambição que não seja a autarquia e atualmente lidera a secção local do PS. No entanto, avisa que quando o mandato terminar «não vou meter a viola no saco» e vai «andar por aí». Carlos Filipe Camelo confessa que o seu pior momento enquanto autarca viveu-o em outubro com os incêndios. «Mentiria se dissesse que chorei nesses dias e nos que seguiram porque tive que ter uma força acrescida para transmitir esperança às pessoas», afirma, lamentando não ter conseguido estar com todos nessas horas fatídicas. «Estava com problemas físicos, porque uns dias antes tive um derrame e não via nada do olho esquerdo. Estive no posto de comando e fui a alguns locais. O nosso sentimento era ir atrás do fogo sem nunca conseguir chegar à frente do fogo, resta-nos aprender com aquilo que aconteceu», recorda o edil.
Tragédia à parte, o autarca confessa que o seu nome lhe causou embaraços quando era mais novo, alguns dos quais foram resolvidos «a murro», mas diz que, hoje, os seus filhos utilizam-no «com muito orgulho, e eu também». «Camelo é apelido do lado da minha mãe. Utilizo Filipe em homenagem ao meu irmão, que já faleceu», acrescenta, emocionado.