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O último Sacadura

Bilhete Postal

Não voltaria mais, pelo que penhorar ou vender seria a mesma coisa. Não regressarei ao espaço herdado, à memória familiar. Morre a história no dia em que vou embora e deixo tudo. As pessoas que chegam à casa que foi dos pais não cuidam saber dos detalhes que ali se passaram. Para alguns seria simples demolição, outros querem restauros, em todo o caso apagam a história. É indiferente se volto ou se esqueço.

Porque não tenho descendentes decidi partir. Agora que saio decidi nunca regressar. A casa do meu passado, da vida da família Sacadura, está-me agarrada. Só eu recordo quem fez as obras da ala norte. Só eu sei porque o tio tombou nas escadas de trás. Já só eu lembro o casamento de 1963. Até que a demência ou a doença mos retirem sou o que resta do Sacadura.

Não tenho filhos nem ficaram paixões, pelo que o desapego que tenho é de ser sozinho, de ser o final de todos os que existiram antes de mim.

A casa grande da Mouraria ficará livre. Vou embora e levo um bolo inteiro. Não vou com pena, não vou desolado, sei que acabamos todos comigo. Este fim podia deixá-lo escrito, podia tentar um livro, mas não creio que mereça. Sou um ponto final e desse modo não volto mais. Podia ter queimado tudo mas decidi vender e leiloar e realizei o pecúlio que me transportará pelo mundo fora. Sei apenas que não voltarei e que quando sair não sobrará nada.

Escrevi numa pedra a palavra adeus e atirei ao vidro da entrada. Ela partiu o vidro e caiu lá dentro. Sobrará aquele adeus até que o novo dono decida que fazer do imóvel.

Por: Diogo Cabrita

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