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O trema

Ladrar à Caravana

Quando recebi a notícia da abertura de um portal na internet, destinado ao Ensino Superior, que dará acesso gratuito e ilimitado a cerca de 3500 revistas científicas, fiquei a balançar entre dois sentimentos contraditórios (também, se não fossem contraditórios, não balançava):

– por um lado, o manancial de informação a que toda a comunidade académica poderá aceder, produção científica de alta qualidade, recente, o estado da arte ali, ao alcance do botão do rato. Ah, espantosa internet, bendita tecnologia! E de borla, ainda por cima.

– por outro lado, a antevisão dos sarilhos que me aguardam, como professor, para descobrir donde sairão os trabalhos teóricos de um bom número dos meus excelentíssimos alunos. Até agora não tem sido muito complicado apanhar os plágios, pois aquelas almas deveriam estar convictas que o profe era um daqueles trogloditas jurássicos que têm medo dos computadores e para quem a única modernice tolerável vai sendo a esferográfica para substituir a caneta de tinta permanente, reservada para as ocasiões solenes. Os artistas iam tirando umas coisas de sites de universidades do Brasil e, com maior ou menor desplante, os apresentavam como sendo deles. Foi chato que nem se deram, muitos deles, ao trabalho de disfarçar os gerúndios ou expressões tipicamente portuguesas como “gerenciar informação” ou “estocar dados”. Por acaso houve um que estava bem disfarçado, reconheço, mas lá para o fim, por cansaço, por distracção, escapou uma “seqüencial” com um trema sobre o u. Chatice…

Ainda pensei que o problema estivesse circunscrito ao meu curso. Não, pois há casos idênticos noutros cursos. Da minha universidade, então. Também não, pois a trocar figurinhas com colegas doutras universidades, o problema persistia. Então o problema é do público. Não, pelos vistos no privado é igual.

Quando vi o Manuel Castells a ser entrevistado pela Ana Sousa Dias na 2:, fiquei impressionado pela informação que deu sobre os japoneses, que copiavam tudo o que vinha de fora e depois melhoravam a cópia. As espadas dos samurais, por exemplo, surgiram da apropriação das espadas portuguesas do séc.XVI que, pelos vistos, eram do melhor que se fazia de metalurgia no mundo de então. Os nossos estudantes poderiam, ao menos quando copiam, tentar melhorar a cópia. Ao fazê-lo estariam, obrigatoriamente, a aprender alguma coisa. Mas não. Nem a copiar são bons.

O que dá uma certa pena. É que há quem diga que eles vão ser a elite do país dentro de alguns anos.

Claro que se pode sempre atribuir a culpa disto aos professores, ao ministério, ao governo, ao universo inteiro. Os estudantes são apenas umas pobres vítimas dum sistema impiedoso. Já se sabe.

Por: Jorge Bacelar

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