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O “telemohmem” e a pressa

Bilhete Postal

Quando afirmo aos amigos que tudo mudou eles observam-me intrigado. O mundo inadaptou-me para muitas coisas e empurra-me para uma solidão de sala de estar entre LP’s e CD’s e colunas de som que servem de ambientador ao livro que folheio com gosto. A música da indústria fonográfica e os livros e jornais caminham depressa para a inutilidade e eu sou a teimosia de um tempo que em breve se desfaz.

Os “telemohmem” circulam com as suas coleções intermináveis de música que estão em plataformas digitais. O download e o pagamento de apps será o futuro de uma cultura de nuvem onde nada se guarda em casa. Os amigos, os livros, as canções, os filmes estão na nuvem e puxamos por eles se nos apetece. A produção de apps é muito mais feroz que a nossa curiosidade e por isso criamos apps para responder às nossas dúvidas como o “shazam” e desse modo sabemos a música que ouvimos sem o esforço da memória. O “shazam” ou a sua particularidade de busca em milésimos de segundo de uma canção com um telemóvel é uma das mais notáveis descobertas que transforma os “telemohmem” em cidadãos cultos e de discussão muito feroz. Em breve reconhecerão um texto, ou uma doença, ou uma lei, só por dizer uma sequência de vinte palavras. Depois vão “shazar” as consequências dessa primeira busca e zás, são fervorosos mestres daquele discurso para o qual não terão dúvidas.

Estes novos cidadãos ganham menos que os seus avós na relação salário/poder de compra mas criam mecanismos de tornar tudo mais barato, mais ervilha e menos melão. Não terão casas suas, não terão bibliotecas, não comprarão coisas caras. Eles são a sociedade “low cost” que viaja, treina, come e veste “low cost”. Estudarão em Universidades de baixo custo mas terão professores imensos que podem dar aulas pelo telemóvel. Os “telemohmen” sofrerão de dores de pescoço até conseguirem projetar os visores e depois falar sem lhes tocar. O objeto evoluirá para uma espécie de coisa no bolso que faz tudo como a câmara “Gopro Photo”. O mundo dos homens está a mudar a um ritmo que quebra gerações e aumenta a velocidade. Isto acontece ao mesmo tempo em que se constrói um narcisismo incompatível com a religião.

O Instagram é o ponto máximo da existência do eu imagem. Morremos no mundo digital com um vídeo “shazado” que só tem dez segundos de uma realidade de horas. Os pais só podem perceber a nova multidão empenhando-se no tempo do silêncio. Estar à mesa com os “telemohmen”, vossos filhos, apagando os vossos monitores. Cozinhar com eles por vez de comprar ou encomendar. Sentar à mesa e nunca na sala com a TV aberta. Não se muda o futuro porque ele é um rolo compressor, mas podemos melhorar o caminho? O eu tende a aumentar no espaço social e por isso o mundo está cheio de incomodados. Têm pressa. Pressa de quê? Vivem o agora para o desejo seguinte. Bufam em todo o lado, batem às portas, exigem mais e mais depressa. Querem mais tecnologia e não acreditam em experiência e sabedoria dos sentidos.

Por: Diogo Cabrita

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