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O relato do fim do mundo

Diário Interior

Numa conferência que decorreu no Porto a semana passada, Christian de Duve, cientista belga galardoado com o Prémio Nobel da Medicina em 1974, afirmou que a Humanidade poderá acabar dentro de cinco mil milhões de anos. Se tivesse dito daqui a cinco mil anos, poderia ter provocado um certo alarmismo, nesta altura de momentos conturbados para Portugal. Mas ao anunciar o estertor para daqui a cinco mil milhões, talvez as únicas pessoas preocupadas com o fim da Humanidade sejam Ferro Rodrigues, que gostaria de ser Primeiro-Ministro antes da extinção da espécie, e Manoel de Oliveira, que deverá estar a realizar mais um filme por volta dessa altura do fim do mundo. Já o resto da maralha me parece pouco importado com esse ano longínquo de 5.000.002.003 d.C. É típico dos portugueses não se importarem minimamente com o futuro, a não ser que tenham o carro lavado e vinho caseiro na adega ou na dispensa, consoante a classe social. Nesse caso, o futuro pode vir andando.

Alguns grupos ecologistas vieram já reclamar a sua parte da razão, dizendo que afinal não estavam a ser tão catastrofistas quando alertavam para um possível desastre ecológico. Apesar da previsão de Duve se basear na evolução das espécies e não numa catástrofe, além de ser do foro da Biologia e não da Ecologia, estiveram lá perto. Ou pelo menos não foi um falhanço tão grande como outras vezes, o que não deixa de ser significativo para ecologistas. Por este facto, talvez fosse merecida a atribuição de uma Grande Cruz da Ordem do Mérito de Fazer Muito Barulho por Tudo e por Nada a todos os ecologistas sinceros. Os ecologistas que concorrem a eleições coligados com partidos que admiram Estaline estariam excluídos dessa condecoração, por razões que podem ser encontradas nos rios poluídos e nas florestas destruídas da ex-URSS. Podem, se assim o desejarem, habilitar-se a ganhar duas semanas de férias num resort de férias na Chechénia, com actividades lúdicas do calibre de lançar bazucas ou cavar valas comuns. Mas perco-me. Voltemos ao fim do mundo (se bem que a Chechénia fica muito perto do fim do mundo).

Nessa conferência, o bioquímico revelou também a sua crença na existência de vida extraterrestre. Não especificou se os extraterrestres têm orelhas ou se sabem cantar modinhas minhotas, mas adiantou que a vida pode surgir em qualquer lugar, sempre que as condições necessárias para isso estejam reunidas, o que parece não acontecer dentro da casa do Big Brother e na Comissão Nacional do Partido Socialista. Os resultados da evolução, se a vida recomeçasse de novo na Terra, seriam muito mais similares àquelas que encontramos agora, mais até do que muitos acreditam, disse o cientista. Nesse caso os Delfins acabariam sempre por se encontrar de novo, num qualquer período histórico, e voltariam a compor o hino “Soltem os prisioneiros”.

Temos de aceitar esta fatalidade de viver com a proximidade do fim, mesmo que faltem ainda cinco mil milhões de anos. Precisamos de ter atenção aos ET’s por esse universo fora, sempre à coca da mais pequena distracção para vir roubar todo o stock de bolachas torradas das fábricas da Triunfo, como o Mulder nunca se cansou de dizer. E não adianta o Presidente da República vir à televisão apelar à calma e à serenidade. O povo não é estúpido – a não ser quando se juntam uns com o outros – e há-de um dia perceber aquilo que está em causa. E nesse dia vai compreender que os dois golos do Nuno Gomes na inauguração do novo campo de futebol do Benfica não contaram para nada e que as brasileiras foram para Bragança para aprender a ser boas mães de família.

Por: Nuno Amaral Jerónimo

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