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O regresso

Editorial

1. Este é o mês do emigrante. O mês em que as aldeias esquecidas e abandonadas voltam a estar cheias de vida com o regresso dos filhos na diáspora. Este é o mês das festas e romarias, do reencontro, da alegria e da exultação. Mas é também o mês em que as memórias de outrora se evocam, da fuga à pobreza e à miséria, da aventura, do sonho… Foram milhares e milhares os que partiram sem destino à procura de fortuna e ilusão. Encontraram trabalho e suor. Singraram, sem nunca esquecerem a origem. Mantêm o sonho de voltar um dia. E voltam. Voltam todos os anos à procura das memórias e afetos. Percorrem quilómetros de pensamentos e triunfos, mantém vivo um país que já morreu, um Portugal que só existe nas suas lembranças.

E voltam a sentir o chamamento da pátria como ninguém. Tal como nos idos de setenta, depois da destruição da economia pelo gonçalvismo, ou nos oitenta, quando Mário Soares pediu auxílio ao FMI, perante a bancarrota da Pátria as remessas dos emigrantes voltam. Só nos primeiros cinco meses deste ano cresceram 17 por cento relativamente ao período homólogo de 2011, atingindo os 1.049,3 milhões de euros. Nem sempre os emigrantes são devidamente homenageados pelo país. E menos ainda por Lisboa, que é onde o dinheiro acaba sempre por ser investido seja como financiamento público ou pelo crédito bancário.

2. Na semana passada destacámos o anúncio de venda das instalações da Delphi, na Guarda. Desde o encerramento da fábrica que outra coisa não se esperava. Salvo na cabeça de alguns ignaros que brandiam espadas contra moinhos de vento, há muito que se conhecia o destino da fábrica. Em 2007, muito antes do anúncio do despedimento dos últimos 321 trabalhadores no final de 2010, quando houve o primeiro anúncio de duas vagas de despedimentos de 700 e 500 trabalhadores, respetivamente, já se adivinhava este desfecho. Neste contexto, tive oportunidade de aqui comentar que a longevidade da Delphi era de breve prazo (como sucedeu) e que, num cenário de alteração ao uso daquele quarteirão com mais de 50 mil metros quadrados, a então prometida “revisão ao PDM”, devia consubstanciar o óbvio: que o Plano Diretor revisto deveria modificar para urbano o uso daqueles terrenos industriais… Essa possibilidade, que para mim era óbvia, mereceu que um coro de especialistas viessem a terreiro defender que jamais se alterasse o uso dos terrenos, levando o assunto à Assembleia Municipal, onde foi votada uma deliberação não só impedindo mudanças ao PDM, mas inclusive que dela constasse o impedimento de qualquer intenção nesse sentido. Argumentavam as mentes brilhantes que defendiam tal tese que, desta forma, estava salvaguardada não apenas a impossibilidade de a Delphi morrer às mãos de carniceiros especuladores, como, mais importante, afirmaria o futuro industrial do quarteirão, pois ficava certificado que ali sempre haveria uma fábrica. Por nenhuma destas mentes iluminadas passou a ideia de que um dia a Delphi bateria as asas e partiria da Guarda e nunca mais nenhuma empresa industrial com um mínimo de dimensão irá aparecer na cidade. E que se alguma vez aparecer, poderá em melhores condições ir para a PLIE. Assim, a Câmara da Guarda, continua muito satisfeita por ter em mãos um «trunfo» de que não abdica: as instalações só poderão ser vendidas para uso industrial. Um sonho pelo qual nunca fizeram nada, mas que serve para receber aplauso da populaça ignorante que assim vai continuar a sonhar com o regresso do esplendor ao Largo da Estação, moribundo e desprezado, enquanto as instalações se deterioram. Se os papalvos se tivessem calado talvez um dia naqueles 50 mil metros nascesse um bairro com qualidade e urbanidade. Assim vamos continuar a conviver com o espaço lúgubre e com bairros desordenados e inacabados. Mas é disso que gostam os guardenses e o seu presidente… Agora é tarde demais, os “especuladores” desapareceram, os construtores não têm dinheiro e pessoas… não há pessoas. A população partiu, mas os ignaros continuam por aí a respirar o bom ar da cidade atrasada que ajudaram a moldar.

Luis Baptista-Martins

Comentários dos nossos leitores
carlos veloso cjocas@gmail.com
Comentário:
Mas os ignaros como lhe chamas ainda não perceberam isso… ainda têm fé e consciência que o problema é outro… pois é…
 

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