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O Recomeço

Nos países civilizados dá-se de barato que as soluções de governação têm em conta o bem geral, consideraram todas as previsíveis consequências das decisões tomadas e são por isso, até prova em contrário, boas. Nos outros, entre os quais Portugal, não se consideram consequências, tomam-se medidas em função de sondagens ou objectivos imediatos e quase sempre no exclusivo benefício de quem está no poder, das suas clientelas e da possível base de alargamento desta.

Deu-se de barato que era necessário cobrar portagens nas SCUT. Aceitemos isso, como teremos de aceitar que era previsível, aquando da sua implementação, que um dia, em tempos de crise, poderia ser necessário, ou até indispensável, vir a cobrar portagens. Parece evidente que esse dia chegou e que todo o plano das SCUT falhou. No mínimo, é evidente que apenas seria viável num mundo perfeito de crescimento constante da economia, abrigado de todas as possíveis tormentas. O problema é que estas nos caíram em cima todas ao mesmo tempo, demonstrando de passagem que não havia um “plano B”.

A A25, por exemplo. É a principal via de entrada no país, e também a principal via de saída. Passam por ela boa parte das nossas exportações e importações. Tem ligação ao porto de Aveiro e cruza-se com a A1, A23 e A24. É também constituída, em importantes partes do seu traçado, por antigos troços do IP5 e das estradas nacionais que este veio substituir, aproveitando por sua vez diversos troços dessas estradas. Significa isto, para já, que não há de momento alternativa à A25 e que quem quiser importar ou exportar mercadorias verá as tarifas do transporte serem significativamente agravadas.

Em primeira linha, pareceria que o problema é das transportadoras, já ameaçadas pela iminente subida dos combustíveis, com o petróleo de novo próximo dos cem dólares o barril. Mas se olharmos melhor podemos adivinhar problemas para todas as empresas que pretendam exportar ou importar mercadorias e vão ver subir drasticamente as tarifas dos transportes e, em consequência, diminuir as suas margens de lucro (ou almofadas de sobrevivência). A coisa agrava-se se pensarmos que em Espanha é possível transportar mercadorias em autoestradas sem portagem até à fronteira com a França (e com combustíveis e IVA mais baixos que os nossos).

Isto era apenas um exemplo, que há muitos mais e em todos os sectores da nossa vida em sociedade. Procurando bem, vamos descobrir em todo o lado decisões mal pensadas, por isso mal tomadas e que vão obrigatoriamente levar a um duro e custoso arrependimento.

Mas vamos acreditar por um momento que não somos governados por idiotas e que tudo isto estava pensado desde o início. Pode ser pouco plausível, mas pouco mais nos resta. Mesmo assim, não parece fácil encontrar uma linha condutora em tudo isto, senão esta: o governo (entidade abstracta, alternada e periodicamente personificada por incompetentes de várias origens) descobriu a solução para o nosso país nas antigas mitologias nórdicas. Tudo irá terminar num caos inelutável e destruidor. Este, depois de se mostrar destruída a velha ordem, criará as condições para o recomeço num mundo novo, pristino. É o triunfo do MRPP.

Por: António Ferreira

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