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O que pode fazer um tiro certeiro

Na sequência do assalto a uma dependência do BES, alguns comentadores afirmaram que o tiro certeiro de um polícia fez mais pela segurança do país do que muitos discursos e leis.

Com o devido respeito, a ideia parece-me totalmente descabida. Não contesto a legitimidade do tiro certeiro, nem a sua eventual necessidade (a existência de reféns justifica a decisão policial), mas os factos aí estão a desmentir a ideia de que a morte de um assaltante reforça a segurança do país: só esta semana houve, pelo menos, mais dois assaltos a bancos, além de uma série de outros crimes, alguns envolvendo troca de tiros.

Os comentadores que tão excitados ficaram com a morte de um assaltante, chegariam facilmente à conclusão de que um país com pena de morte é, necessariamente, um país mais seguro do que aqueles onde essa pena não existe. Esta conclusão é tão obviamente falsa que, mesmo sem entrar em considerações morais sobre a pena capital, não vale a pena discuti-la.

Vale, sim, discutir a ideia da implacabilidade do Estado, o que é muito diferente da falta de piedade de um Estado. Do meu ponto de vista, não é a pena de morte nem penas mais longas que faltam em Portugal; o que falha é a aplicação efectiva de penas a todos os crimes, mesmo aos mais insignificantes. Além do conceito de que as penas são – também – para punir. Porque, embora pareça evidente (a toda a gente comum) que as penas servem para punir, a concepção dominante na sua aplicação é a de que servem para reinserir o cidadão na sociedade.

Ora, os 30 anos passados sobre este discurso bem intencionado já deviam chegar para – apesar de todos os preconceitos – perceber que ele está profundamente errado. A questão coloca-se em como prevenir o crime e como afastar cada vez mais pessoas da possibilidade de cometer um crime.

Ao contrário do caminho fácil das penas desumanas, comecemos por tornar efectivas as penas de pequenos delitos. Em dar atenção e ter meios para combater os que se evadem das prisões ou aproveitam saídas precárias para lá não voltar. Em punir quem parte montras, em quem destrói o bem público, em quem faz “graffitis” não autorizados, em quem vende “ecstasy” à porta das discotecas, em não desculpar por ser a primeira vez. Não descansar, não permitir o pequeno delito com a desculpa de que se está a combater o grande.

Onde houve sucesso no combate ao crime, fez-se assim. Não foi preciso matar nem pôr grilhetas nos pés dos presos. Bastou largar ideias preconcebidas e utilizar bom senso e sentido prático.

Por: Henrique Monteiro

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