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«O projeto Duorum ainda tem muito para crescer»

Entrevista a José Maria Soares Franco, da “Duorum Vinhos SA”, sediada em Castelo Melhor

P – Até que ponto é que é um bom investimento e faz sentido produzir vinho no Douro Superior?

R – Tudo na vida se mede pelos frutos que dá e aqui estão os frutos do que foi a nossa vinda para o Douro Superior que até a mim me espantou. Viemos para cá em 2007 e, desde 2008 até agora, não parámos de ganhar prémios. Vim para o Douro Superior porque precisávamos de um local para plantar as nossas vinhas do futuro e criar a sede da nossa empresa e tinha de ser um local em que eu acreditasse profundamente. Eu já trabalhava há 28 anos na região demarcada do Douro, no grupo Sogrape. Um dia fui desafiado por um grande amigo meu, o João Portugal Ramos, que tem um projeto muito grande no Alentejo, daí a sede do grupo ser em Estremoz, embora a sede da Duorum seja em Castelo Melhor. Ele queria fazer um projeto no Douro para integrar no grupo da Gestivinus, que é a nossa holding e desafiou-me. Eu não tinha razão nenhuma para sair da Sogrape. Sempre fui lá bem tratado, estava no topo da carreira, mas ele apontou-me uma, a de produzir vinhos diferentes, que não existissem no mercado e não há nada que mais entusiasme um enólogo mas para isso precisava de seguir para um local em que acreditasse que os vinhos eram diferentes e que as uvas tivessem uma qualidade consistente ao longo do tempo. Conhecia muito bem toda a região demarcada e não tinha dúvida nenhuma que o Douro Superior era o local onde todos os anos encontrava uma qualidade mais consistente e semelhante ano após ano. As nossas vinhas do futuro foram plantadas aqui, o projeto está a meio, plantámos até agora 42,5 hectares e vamos plantar cerca de 90 até 2018.

P – Porque é que este é um vinho diferente?

R – É o perfil do vinho. Achamos que hoje em dia se abusa do teor em álcool dos vinhos. Há vários vinhos com 15 ou 15,5 de grau e achamos que ao lado desse teor também existe uma sobrematuração dos aromas e uma falta de harmonia no corpo do vinho. Procuramos fazer vinho com uvas de diferentes cotas. Por isso é que esta quinta tem encosta e tem cota alta, e utilizando as mesmas uvas em diferentes cotas conseguimos um equilíbrio natural melhor, entre os 13 e os 14. Fazemos vinhos com menos teor em álcool, mas com mais frescura e mais equilibrados. O projeto começou em 2007 e lançámos no mercado o nosso primeiro vinho em 2009, que é o colheita. Atualmente temos oito vinhos no nosso portefólio e estamos bastante satisfeitos com os resultados de apenas seis anos e meio de vida e quatro de vida comercial intensa. Já atingimos as 700 mil garrafas e estamos presentes em 24 mercados.

P – Quais são as castas predominantes?

R – As duas principais são touriga franca, touriga nacional, a terceira souzão, depois temos um bocadinho de três castas, a alicante bouschet, tinta francisco e tinto cão. E é desta mistura que resulta este excelente néctar. Do branco também temos cinco castas: viosinho, códega do larinho, arinto, verdelho e rabigato. São cinco brancas e cinco tintas.

P – A Quinta está implantada num território inóspito e muito árido. Como é que se rentabiliza em termos de produção?

R – O clima é mais quente e mais seco. Quase não chove aqui. Estamos no limiar do deserto do Saara. Por isso é que formatámos o nosso projeto para escolhermos os terrenos para estarmos junto ao rio, para podermos regar para repor a humidade. A nossa operação cirúrgica começou nos terrenos porque toda esta zona que vai desde Foz do Côa até Espanha está ocupada por produtores de vinho. Quando aqui chegámos não havia muitos terrenos mas ainda encontrámos estes e andámos com os pastores antigos à procura de quem eram os proprietários e para conseguir os 160 hectares que vão desde o rio até à estrada de alcatrão tivemos que adquirir 68 parcelas. Além das vinhas próprias arrendámos duas vinhas velhas, uma na encosta com 15 hectares e outra na cota alta com 62 hectares. Depois tivemos que desenhar o nosso projeto de acordo com o Instituto da Conservação da Natureza, porque estamos numa zona de rede natura, uma zona muito protegida e isso, que para nós na altura até parecia uma ameaça em termos de exigências ambientais, acabou por se transformar numa excelente oportunidade hoje em dia.

P – Daí a vossa aposta na biodiversidade?

R – Temos uma fraga de rochas onde nidificava e nidifica ainda um casal de águias de bonelli e por conta disso toda esta zona é protegida e teve que ser alvo de um projeto de estudo de incidência ambiental, feito por uma empresa especializada que foi aprovado pelo ICNB, sempre com medidas compensatórias e minimizadoras. Se olharmos só para a parte económica é evidente que tem custos, agora hoje em dia vejo-o com muita satisfação porque é uma oportunidade. Há outro projeto de biodiversidade a que aderimos, o biodivine, um projeto europeu, e em que temos acesso a plantas ainda mais cuidadas e adaptadas à região e que nos permite ainda melhorar as faixas de proteção que temos entre as vinhas. Aquilo que podia ser uma ameaça transformou-se numa oportunidade e num fator competitivo. Os nossos vinhos têm um logotipo da business & biodiversity, uma rede criada pela União Europeia que visa proteger e incentivar a biodiversidade no mundo inteiro.

P – Duorum é o nome da vossa exploração que foge um pouco à regra do Douro?

R – É uma palavra latina, lembra Douro mas não quer dizer Douro. Douro vem do latino “durius” de duro, e Duorum quer dizer de dois, é o genitivo de duo, porque somos dois sócios e achámos esta coincidência engraçada e tem outra vantagem para nós muito grande que é pronunciar-se e escrever-se da mesma maneira em francês, inglês e português. Juntámos em baixo uma frase que nos enche de orgulho que é “Do vale do rio de ouro” que nos dá um ar de modernidade que queremos que o nosso projeto também tenha.

P – O O. Leucura será o seu “Barca Velha” na Duorum?

R – Foi o último vinho que lançámos no mercado. É o melhor vinho que temos. É o nosso topo de gama. É um vinho bastante mais caro que os outros, o seu preço de venda ao público ronda os 80 euros e é uma seleção das seleções. Estará muito perto do que penso que se poderá produzir de melhor, o que não quer dizer que não tenhamos no nosso projeto ainda um passo para algo em cima disto. Será obviamente um “Quinta de Castelo Melhor”, quando as vinhas atingirem a maturidade. Acreditamos profundamente nisso pela qualidade que já temos nas vinhas velhas. Falta-nos esse vinho que iremos um dia produzir.

P – O vinho é hoje um produto que atrai muitos estrangeiros em termos turísticos. O projeto Duorum também tem essa componente?

R – Ainda não tem. Já temos um espaço preparado para receber visitas. Recebemos cerca de 600 pessoas por ano mas neste momento pessoas ligadas ao negócio. Agentes, jornalistas e amigos. Vamos dar um passo seguinte que vai ser o enoturismo, para isso aguardamos que a Refer nos ceda a estação de Castelo Melhor, o que para nós será extremamente importante e pode passar pela recuperação da estação, do espaço contíguo e das ruínas existentes. Aguardamos a todo o momento a aceitação da proposta que fizemos à Refer e isso permitir-nos-ia ter o acesso pelo rio com mais interesse. Temos também a possibilidade de construir pequenos núcleos de dois quartos cada, tipo motel. Não queremos construir aqui nada que não tenha esta arquitetura com pedra arrumada.

P – Cerca de seis anos depois, o projeto Duorum ainda tem muito para crescer?

R – Ainda tem muito para crescer, não só na vinha, como na parte do negócio do vinho e no enoturismo, embora goste de frisar que já está muito feito. Ultrapassou a nossa expetativa mais otimista. Quando começámos em 2007 não tínhamos rigorosamente nada no Douro, a não ser vontade. Não quisemos comprar nenhuma quinta feita porque iríamos lá encontrar sempre defeitos e quisemos fazer tudo do zero. Fomos pelo caminho talvez mais lento, difícil e exigente mas aquele em que acreditamos mais.

P – A Duorum será brevemente um fiel retrato do sonho do enólogo Soares Franco?

R – Já é, há uma frase que costumo dizer que é: “está aqui tudo o que sei e um bocadinho mais do que aquilo que eu podia sonhar”, porque foi para além do que eu achava que era possível fazer-se, não só no local, na qualidade da vinha e dos vinhos e na forma como se divulgou e se comunicou o projeto sem entrar nos canais tradicionais da publicidade. Tem havido uma vontade muito grande das pessoas de conhecerem o projeto, o que quer dizer que não estaremos certamente no mau caminho.

P – Do ponto de vista do impacto nesta região?

R – Esta é uma zona em que se investe pouco, está muito desertificada. O concelho de Foz Côa precisa de investimento, fomos muito bem recebidos, quer pela Câmara, quer pelos munícipes todos. Somos muito acarinhados, criámos 40 postos de trabalho na zona e estamos muito satisfeitos com as pessoas que estão connosco.

P – Até que ponto é que o Festival do Vinho do Douro Superior é importante para vocês?

R – Tem grande relevância. Por um lado porque junta o que de melhor Foz Côa tem na produção de vinhos e, por outro, esse facto atrai a Foz Côa pessoas que vêm do país inteiro. Há até meia dúzia de pessoas dos Açores que todos os anos cá vêm. São pessoas que se interessam pelo vinho e que sabem que Foz Côa produz algo de diferente.

P – Acha que é de relevância este tipo de eventos em Foz Côa?

R – Nos guias de vinhos é frequente vermos que nos 10 melhores há quatro, cinco ou seis de Foz Côa. Isso enche de orgulho a Câmara, o concelho e a nós também. A Câmara também fez outra coisa inteligente que foi desafiar a revista de vinhos para a organização deste evento, que é uma empresa com muita experiência que o tem feito com muito profissionalismo. Depois também há sempre momentos de convívio simpáticos e é um fim-de-semana em que Foz Côa se enche.

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