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O pintor que se inspira nas ruas da Covilhã

Autodidata, João Salcedas sai à rua para pintar locais da cidade e levar a arte à população

João Salcedas, desenhador de etiquetas de profissão, pinta desde os 12 anos, arte pela qual tem «uma paixão inexplicável». Depois de já ter pintado várias ruas da Vila do Carvalho, a sua terra natal, o artista amador decidiu apostar nas ruas da Covilhã, «a cidade onde nasci».

Em junho deste ano começou a pintar na praça junto ao Jardim Público, seguiu pela Rua Comendador Campos Melo, mais conhecida por Rua Direita, tendo dado especial atenção aos chamados “pátios dos cristão novos”. Agora tenciona ir para o Pelourinho, pois «quando chegar à altura do inverno penso pintar por baixo das arcadas», adianta João Salcedas. Foi precisamente na Rua Direita que O INTERIOR o encontrou a pintar, com as suas telas, aguarelas e o banquinho que leva sempre consigo. «Tomei a praça como um louco e apaixonei-me pelos recantos», explica. Hoje com 56 anos, o artista não consegue explicar «o mistério» que é o seu gosto pela pintura, pois não teve influências na família. Considera-se «um pintor de rua» e explica que vê a pintura como «a arte do silêncio». No entanto, decidiu sair de casa para «também não me sentir só e mostrar às pessoas como é esta arte, que não passa apenas pelo critério do jeito, mas pelo amor e pela missão de pintar».

Mais do que fazer dinheiro com as suas obras, João Salcedas quer «promover a arte urbana» porque «a pintura sempre pertenceu a classes eruditas e pessoas conhecedoras dessa atmosfera e eu creio que as pessoas humildes que passam na rua também gostam de pintura e muitas vezes não têm acesso a isso porque os pintores não vêm para a rua». Autodidata, o pintor afirma que «só me realizo a pintar» e tem que o fazer todos os dias. «Pagava para pintar», acrescenta, confessando que gosta de vender trabalhos seus, «sobretudo a colecionadores, porque sei que os meus quadros são mais protegidos». Desde que as ruas do centro da Covilhã se tornaram o seu atelier improvisado e ao ar livre – onde apenas pode trabalhar aos fins-de-semana devido à sua ocupação profissional – acredita que tem sido abordado por mais pessoas do que se fizesse uma exposição durante 15 dias. «Nas ruas somos vistos e promovemos o nosso trabalho. As pessoas têm curiosidade e vêm ter connosco», sublinha o pintor.

Quem por ali passa já o conhece, já se habituou à sua presença, e não só o cumprimenta como pára para observar o seu minucioso trabalho. Enquanto ocupa alguns espaços da cidade, João Salcedas observa tudo o que passa à sua volta, «cada pormenor», mas está também atento ao que ouve. «As cidades estão cheias de sons, que se transmitem através da cor. Tal como a música, as cores têm tonalidades», garante. Sublinha, por isso, que a cidade está «cheia de mistérios e as pessoas que me abordam fazem com que eu tente perceber este mundo misterioso». E as histórias que ouve procura depois transpô-las nas suas telas. A elaboração de um quadro pode ocupar-lhe entre 16 e 22 horas, isto porque confessa que não consegue produzir «ao ritmo que me procuram». No entanto, calcorrear as ruas da “cidade neve” e escolher um bom recanto para reproduzir não tem uma finalidade monetária, mas é antes «uma forma de dar vida ao talento». Nesse sentido, João Salcedas lamenta que mais artistas não o façam, pois «é um crime os artistas não saírem das suas oficinas. Um talento escondido é um talento morto», sentencia.

Ana Eugénia Inácio Pintar na rua «é uma forma de dar vida ao talento», afirma o artista

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