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O pesadelo ainda não chegou ao fim em Aldeia Viçosa

As aldeias do Vale do Mondego viveram um dos dias mais negros da sua história há quase dois meses. As chamas destruíram inúmeras propriedades e os prejuízos são quase irreparáveis, mas a população diz que foi abandonada pelas autoridades.

O tempo parece ter parado em Aldeia Viçosa, na Guarda. As cinzas – que ainda cobrem uma das encostas do Vale do Mondego – transportam a povoação para o “inferno” que levou, em instantes, o trabalho de décadas e, ao fitarem a paisagem desoladora, os moradores recordam as lágrimas e o desespero por que passaram no dia 15 de agosto. Afinal, parece que nada mudou.

José Morais tem trabalhado incansavelmente para recuperar parte do que perdeu, já que o incêndio destruiu alfaias, cortes e terrenos. «Tentei reparar as alfaias e as cortes, porque vem o inverno e não tenho onde por as ovelhas», adianta. Pelas suas contas, o prejuízo deverá rondar os 17 mil euros, valor que já declarou na secção de Ambiente da GNR: «Ninguém nos diz nada, fui informar do prejuízo porque me disseram para o fazer em conversa de café», critica, considerando que «é simbólico porque eles não podem fazer nada». Isto porque o agricultor sustenta que os prejudicados foram «abandonados»: «Estamos no deserto, passaram dois meses e ainda ninguém das entidades responsáveis chegou ao pé de nós para ver esta desgraça», lamenta.

O “filme de terror” que viveu há dois meses continua bem presente na sua memória: «Foi o pior dia da minha vida», sublinha José Morais, que não contém as lágrimas. «Foi um daqueles dias em que temos de dar o braço a torcer… Ficámos à mercê de Deus», acrescenta, dizendo que viu as chamas ameaçarem a própria vida. «Ainda bem que foi num feriado, porque se fosse dia de trabalho a aldeia tinha sido pasto das chamas», considera. «Não tivemos nada, nem bocas-de-incêndio. Os bombeiros queriam ajudar mas não tinham água e o vento era muito forte», recorda o agricultor. Passados dois meses, José Morais acredita que Aldeia Viçosa foi esquecida, uma vez que as entidades governamentais não falam deles: «Que tenham um bocadinho de vergonha e façam alguma coisa, porque isto é fome», apela.

Apesar de não ter sido tão afetado como os vizinhos, Ricardo Rojas alerta para as dificuldades que a população vive. «Senti muito medo porque o fogo ficou a um metro da nossa casa», recorda o morador, afirmando que «foi muito triste, as pessoas choraram muito». No entanto, «temos de agradecer aos vizinhos que nos ajudaram e os bombeiros agiram com muita rapidez, caso contrário tinha sido pior», garante. O feirante também fala das bocas-de-incêndio, que não funcionaram porque «os “bicos” eram diferentes das mangueiras»: «É um erro grave que tem de ser resolvido antes dos problemas acontecerem e não no próprio dia», assevera. «Espero que não se repita, pois foi mesmo triste e assustador», reitera Ricardo Rojas, que alerta para a necessidade de prevenir estas situações através da limpeza de matos e terrenos, já que «hoje passou e escapámos, mas amanhã não sabemos». E deixa um apelo: «As autoridades têm de trabalhar, não apenas fecharem-se em quatro paredes, porque os projetos resolvem-se no terreno», vinca.

«Não apareceu ninguém para saber que prejuízo tivemos»

Também José Gonçalves denuncia que as entidades competentes, como a autarquia e os serviços do Ministério da Agricultura, «não fizeram absolutamente nada, nem apareceu aqui ninguém». O morador, que tentou salvar uma garagem onde tinha um carro e um trator, teve de fugir das chamas e tão depressa não vai esquecer o medo que sentiu: «Pensei que não me desenrascava e que tinha de me lançar para um poço ali perto», lembra, salientando que «o fogo andava mais depressa do que uma pessoa a correr». A destruição que agora “pinta” a paisagem mantém vivo o desespero e as histórias que marcam o incêndio de agosto. «O fogo passou por cima, queimou os amieiros antes do rio e galgou para a outra margem, foi muito perigoso», explica. «Esteve aqui o povo todo a chorar: as minhas vizinhas, a minha mulher, toda a gente apertava a cabeça», indica José Gonçalves. «As entidades deviam ver o que de facto de passou, isto assim está muito mal», critica.

Já Maria Augusta confirma que nada foi feito para ajudar os prejudicados e que «há quem vá à Guarda tentar saber se fazem alguma coisa, mas não vem nada para ninguém», lamenta. Os seus prejuízos são incontáveis, visto que o fogo reduziu a cinzas o olival e o que guardava numa “loja” ali perto. «Nunca tinha visto um incêndio como aquele: não havia nada e passado pouco tempo já ardia tudo», recorda a moradora, lamentando ter ficado «sem nada, mas é assim a vida». Quanto ao futuro, «vamos ver», declara, reiterando que «até agora não há sinais de que venham fazer alguma coisa, nem sequer saber quais os prejuízos que tivemos».

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Comentários dos nossos leitores
jose ferreira joseferreira@hotmail.com
Comentário:
Muito obrigado ao presidente da junta de Aldeia Viçosa, Baltazar Lopes, que nesse dia não abandonou a população. Ao Baltazar Lopes e ao seu amigo Amândio, obrigado.
 

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