Após dois filmes discretos, “Os Noivos Sangrentos” (1973) e “Dias do Paraíso” (1978), que se transformaram em objectos de culto, Terrence Malick remeteu-se a um longo silêncio, que apenas quebraria em 1998 quando nos deu esse prodigioso “A Barreira Invisível”, que de novo chamou a atenção para a sua obra. Para satisfação dos seus admiradores, Malick parece ter regressado para ficar, apresentando-nos agora a sua visão pessoal da descoberta do Novo Mundo e do encontro e desafio de duas culturas, noutro filme não menos deslumbrante, muito naturalmente chamado “O Novo Mundo”. E parece já ter em marcha um novo projecto, a rodar na Índia, “Tree of Life”.
Se referimos este último, ainda em embrião, é porque, tanto pelo tema que o título sugere, como pela sua urgência e proximidade, indica que se destina a formar uma trilogia com os dois anteriores. Uma trilogia que desenvolve o tema que os dois primeiros filmes já afloravam: a relação do ser humano com a natureza, e uma visão telúrica que tem apenas paralelo no cinema americano com a de King Vidor. Nesta visão peculiar, o filme de Vidor mais próximo da mais recente obra de Malick é “A Passagem do Noroeste”.
“O Novo Mundo” conta a história do começo da colonização do que se chamou a América do Norte por uma expedição britânica, e as primeiras relações com os primitivos habitantes da região, folcloricamente (e erroneamente, como se sabe) designados por «índios». Numa série de imagens deslumbrantes somos postos perante a chegada dos barcos, comandados por Christopher Plummer, e o pasmo (e desconfiança) dos nativos perante os estranhos seres que ali desembarcam. John Smith (Colin Farrell) é um dos tripulantes e vem prisioneiro devido a uma tentativa de motim. O comandante dar-lhe-á uma nova oportunidade fazendo-o comandar um pequeno grupo destinado a explorar as vizinhanças e contactar os nativos. Feito prisioneiro, após uma sangrenta escaramuça, Smith é salvo da morte por uma jovem, filha do chefe da tribo, que intercede por ele. O que a motiva é mais a curiosidade por aquele ser diferente, do que por qualquer interesse amoroso, mas essa relação vai evoluindo e aproximando-os, e Pocahontas (que é ela, embora o seu nome não seja referido, interpretada pela jovem nativa Q’orianka Kilcher, de 14 anos de idade) será, depois, o anjo benfazejo que evitará que os colonos sejam dizimados pela fome.
Toda esta evolução é apresentada com o pano de fundo de uma natureza envolvente que Malick e a prodigiosa fotografia de Emmanuel Lubezki transfiguram numa visão idílica mas também selvagem e perigosa, que forma um todo com os seres que ali habitam, da mesma forma como nos surgia em “A Barreira Invisível”.
Mas “O Novo Mundo” é, antes de mais, a descoberta de dois «mundos novos», pelos olhos de personagens diferentes. Pocahontas, pensando que Smith foi morto na nova missão para que fora enviado, vai, a pouco e pouco, sendo conquistada por um novo colono, entretanto chegado, John Rolfe (Christian Bale), e com este partirá para Inglaterra, que para a princesa nativa será também um «mundo novo». Em ambas as visões e descobertas, Malick evita dois riscos habituais neste tipo de filmes: o da Natureza como um mundo perfeito, a do «bom selvagem» rousseauniano, e a visão crítica (e cínica) do mundo «civilizado», à maneira do Cândido de Voltaire (Pocahontas da corte inglesa, por exemplo).
Várias vezes adaptada ao cinema (ainda não há pouco os estúdios Disney deram-nos a sua versão animada), e geralmente transfigurada numa história de amor tipo Romeu e Julieta, o encontro de Pocahontas e do capitão John Smith, encontra, neste filme de Terrence Malick, a sua mais perfeita e apaixonada versão, numa verdadeira exaltação visual e num olhar transcendente que ultrapassa o do simples encontro de culturas e da história de amor. Um filme deslumbrante em imagens que enchem a alma.
Por: Manuel Cintra Ferreira