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O Novo Estado da Censura

«O “Lápis Azul” foi partido ou mudou de cor? Não houve censura logo após o “25 de Abril”? E nas décadas que se seguiram? E hoje? Não existem muitos “Lápis Transparentes” por ai…? Muitos dos que ontem combateram a “Censura” não serão os censores ou manipuladores de hoje?»

Uma tristeza. Visitei a exposição “Censura no Estado Novo”, aberta ao público em Castelo Branco. E se devo louvar a autarquia pela abertura a este evento, já o trabalho do Museu da Imprensa merece da minha parte um triste repúdio. Um museu – mesmo que em exposição itinerante – tem de ser algo mais que o repositório de objectos antigos. Mostrar páginas de papel e “riscos azuis” é pouco para mostrar o fenómeno social e político que constituiu a Censura. Passados tantos anos, exige-se que estas exposições sejam didácticas e que mostrem algo mais que passadas relíquias. É preciso fazer enquadramentos. Mostrar quais as motivações do Estado para o controlo da imprensa? Quais os efeitos que teve na sociedade de então? Com era contornada?

Esta é uma exposição primária. Uma visão primária. Que fala de um horror, mas não o explica. Como se para falar da fome no mundo, bastassem umas fotografias de crianças famintas. Mais nada. Uma tristeza.

Mas o Director do Museu da Imprensa escreveu ainda que – e cito de memória – “O Lápis Azul foi partido. E hoje, 30 anos passados sobre o “25 de Abril” vive-se o tempo de maior liberdade de imprensa da história portuguesa”. Fiquei de boca aberta. E ainda que este artigo não tenha “Exame Prévio”, quero respeitar os meus limites do direito de liberdade de imprensa, e não escrever os adjectivos desagradáveis que logo me ocorreram à cabeça.

O “Lápis Azul” foi partido ou mudou de cor? Não houve censura logo após o “25 de Abril”? E nas décadas que se seguiram? E hoje? Não existem muitos “Lápis Transparentes” por ai…?

É claro que, perdido a contemplar as suas preciosidades empoeiradas, se esqueceu de ter um olhar atento sobre a actual realidade. Aquela em que Marcelo Rebelo de Sousa foi despedido da TVI, aquela em que os tribunais confiscam computadores da redacção de um jornal, aquela em que os jornais estão reféns de grupos económicos, de grupos políticos, de grupos religiosos… aquela em que tem jornalistas que se compram e se vendem (e que se protegem corporativamente confundindo o trigo e o joio). Não existe uma Censura editorial quando se dá brilho ou se ofusca determinada personalidade ou instituição? Muitos dos que ontem combateram a “Censura” não serão os censores ou manipuladores de hoje?

Quem luta pela verdadeira liberdade sabe que a luta é de todos os dias. Há sempre novas formas de minar a nossa “cidadania”, pelo que, tal como ontem, precisamos em cada dia de identificar os novos censores e as novas formas de manipulação. É preciso preservar a saúde da Opinião Pública como forma de manter intacto o nosso poder de cidadão, livre, informado e responsável.

– Valia a pela olhar para o tema com inteligência.

Por: João Morgado *

* Director www.kaminhos.com

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