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O negócio da Maunça

Editorial

1. A Quinta da Maunça é hoje um espaço educativo florestal, uma quinta “pedagógica” viva para as crianças. Mas não foi sempre assim. O jornal O INTERIOR, ao longo de 14 anos, informou várias vezes sobre o inacreditável negócio daquela colina, que continuamos sem compreender, mas custou ao erário público milhares de contos ou milhão e meio de euros. Ou mais.

A Quinta da Maunça passou a ser conhecida após a constituição da Imoguarda, uma sociedade entre a Câmara da Guarda e a Sinpar (imobiliária da UGT). Num primeiro momento, há mais de vinte anos, supostamente, a UGT estaria interessada em criar um centro de lazer e hotel sénior naquele local, mas o assunto depressa foi esquecido e a partir daí ninguém compreendeu a motivação para aquela compra; ninguém explicou o que a autarquia ou o sindicato iriam promover naquela colina; nem Abilio Curto, nem Torres Couto ou qualquer outro dos então responsáveis pela sociedade souberam ou quiseram identificar publicamente o teor do projeto definido para aquela propriedade, de mato, pinheiros, castanheiros e giestas na zona de João Bravo. O que havia sim era muita gente a interrogar-se sobre os valores do negócio e o interesse do mesmo. Surgiram então na opinião pública os mais diversos comentários, desde especulações sobre interesses imobiliários, à decisão em 1996 de alienação da quota da Câmara de 41% em troca dos suprimentos de dívida (80 mil contos na altura), mas que a Sinpar nunca escriturou, pelo que a autarquia acabou por continuar a ser maioritária na Imoguarda, com 51% do capital, ao interesse de um promotor da Covilhã, José Carlos Costa Pais, para a construção de um centro comercial (que em 2001 terá mesmo oferecido 120 mil contos) até, posteriormente, a Câmara sugerir o local como um dos possíveis para a construção do novo hospital. Pelo meio, em junho de 2002, a Câmara da Guarda decidiu avançar com o projeto de espaço educativo florestal e adquirir à sua sócia o total da propriedade pagando à Sinpar um milhão de euros. Mas, segundo a auditoria, em 2013, e já depois de dissolvida a sociedade, a Câmara da Guarda continuava a pagar… Obviamente que o negócio tem de ser investigado, desde o primeiro dia, ou seja, desde que a autarquia iniciou a negociação da propriedade e criou a Imoguarda até aos diferentes pagamentos feitos pela Câmara – a quem e quanto?

2. Recebi alguns comentários a propósito do editorial da semana passada sobre a disputa da liderança no PS, pelo que, volto ao assunto, para responder a um comentário que muitas pessoas fazem, em especial os apoiantes de Seguro: que o secretário-geral foi eleito legitimamente e que Costa “não tinha o direito” de disputar a liderança neste momento. Ora, nada mais errado: em democracia, as lideranças estão sempre em questão. E nos partidos democráticos sempre que um militante discorda da liderança tem direito a expressar essa discordância e a discutir a liderança, de acordo com os respetivos estatutos e a lei geral. António Costa e os seus apoiantes interpretaram que os diversos acontecimentos recentes (fraco resultado nas europeias incluído) mereciam uma tomada de posição e o aparecimento de uma alternativa e decidiram discutir a liderança de acordo com as regras. E, como o próprio Seguro disse em Celorico da Beira, as primárias, que se estão a disputar, «é o primeiro momento de afirmação da alternativa» e só acontece porque Costa se candidatou a candidato a primeiro-ministro. Ou seja, finalmente há uma alternativa.

Luis Baptista-Martins

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