Descobriu-se nas últimas semanas, por culpa do filme A Queda – Hitler e o Fim do Terceiro Reich, que grande parte da população mundial encarava Hitler como se de uma personagem de ficção se tratasse. Proveniente directamente de um qualquer enredo onde apenas existem heróis e vilões. Onde somente o bem ou o mal, o preto ou o branco, o sim ou não, com exclusão de todas as outras variantes, fossem hipóteses de escolha para cada uma das personagens. O lado humano, real, que tornava Hitler numa pessoa ainda mais assustadora, por não ser, assim, diferente de tanta gente que partilha o nosso espaço quotidiano, só agora parece ter sido descoberto por todos. Na Alemanha, pouco tempo depois de Goodbye Lenin, nova bomba com este filme de Oliver Hirschbiegel, num país ainda longe de conseguir lidar facilmente com o seu passado. Em Israel, para o disparate ser maior, até um referendo à população foi feito, apenas com a intenção de se saber se o filme deveria ser ou não exibido. Enfim…
E, no entanto, no meio de tanta gente sem mais que fazer, preocupada apenas em ocultar velhos fantasmas, por não saberem muito bem o que com eles fazer, os motivos para tanta polémica, naquilo que se vê no filme, são inexistentes. Hitler não é aqui transformado em nenhum santo (como aconteceu, por exemplo, recentemente, com Os Diários de Che Guevara), nem sequer, como parte de alguma História gosta de nos fazer crer, nos é mostrado como o menos mau rodeado por um grupo de lobos maus.
Dispersando-se por variados pontos de vista, nos últimos tempos antes da morte do ditador alemão, A Queda acaba por perder alguma da sua força. A surpresa acaba mesmo por ser o facto de Hitler não ser a personagem principal deste filme. Em vez de nos mostrar o sofrimento, tão habitual em ambientes de guerra, Hirschbiegel transporta-nos para o interior de um pesadelo que se prolonga, sem saída, e de onde todos querem sair, sem tempo ou espaço para sofrer. Saída essa que passou, para muitos, pela morte. A realidade daqueles dias, esmagadora, assustadora, frenética, louca, estúpida, são apenas alguns dos ingredientes que o filme consegue captar nos seus melhores momentos. Mas, em duas horas e meia de duração, também o aborrecimento por lá assenta arraiais.
Acerca da interpretação de Bruno Ganz já tudo se disse. Naquela que é, provavelmente, a melhor imitação de Hitler de sempre, no cinema, Ganz só não conseguiu o que não era humanamente possível atingir, no que diz respeito à imitação de uma outra pessoa. Chega a ser assustador assistir.
Não é o filme murro no estômago que muitos esperariam, longe de um brilhantismo que o consiga transformar num filme essencial, mas, ainda assim, A Queda revela-se um interessante objecto para que se volte a pensar em algo que não deveria ser esquecido. Os monstros, podem afinal não passar das mais banais pessoas que confiamos no nosso dia-a-dia. Estejamos atentos. A História tem a mania de se repetir.
Por: Hugo Sousa
cinecorta@hotmail.com