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O meu mundo é hoje

Fátima faz 100 anos. Uns dirão aparições, outros apenas visões, ambas, decerto, movidas pela fé em Deus, abraçada por muitos milhões neste nosso país e muitos mais pelo mundo. Este plumitivo não tem essa fé, mas não lhe falta fé nas pessoas, porque ou isso ou quase nada que nos move num mundo comum continuaria a fazer sentido. Este centenário traz o Papa Francisco a Portugal. Chega amanhã e permito-me um elogio inocente. Com Francisco, a fé em Deus não menoriza nem paternaliza a fé nas pessoas. Pelo contrário, é na sua fé nas pessoas, nas suas vidas aqui e agora, com toda a compreensão, de sorriso encorajador, que Francisco se tem mostrado uma enorme inspiração, de valor universal, mesmo para as pessoas sem confissão religiosa. O papel do Papa que parecia um ritual musealizado, ou de cúpula, desce à rua, caminha nela e enche-se dela, das suas preocupações, anseios e projetos, para, muito mais do que pregar, escutar e assim recuperar para o nosso tempo a relação basilar entre inteligências e sensibilidades a que chamamos dialogar. Francisco é um Papa de hoje, de um mundo e de um tempo aqui – que faz lembrar “o meu mundo é hoje”, como nos versos de Wilson Baptista cantados pelo Paulinho da Viola.

Mas, este elogio a Francisco também encoraja duas críticas para o nosso tempo. Uma ao governo, que decidiu decretar tolerância de ponto para amanhã, 12 de maio. Com que sentido? Para os pais ficarem sem saber onde deixar os filhos com as escolas fechadas? O nosso mundo é hoje e já é suficientemente difícil para que se faça dele tempo de ilusões. É esta tolerância para Francisco, que nem chega cedo amanhã, ou é Francisco pretexto para uma tolerância de ponto que pisca o olho a mais um fim-de-semana prolongado? O despacho do Governo fala ainda de tradições, como se por si só tal constituísse um argumento, e de questões de segurança que não parecem de todo vir a propósito. E a outra crítica dirige-se à Igreja, ou a certos sectores dela, que convivem demasiado bem com o turismo religioso e o comércio de artigos religiosos para todos os preços e todas as condições sociais. Mas também é para isto que faz falta um Papa desassombrado, que faz falta, e que é muito bem-vindo. Porque o mundo dele é o nosso.

Por: André Barata

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