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O Longe e o Perto…

«Lá longe a diferença entre um e um milhão é mínima. Números limpos esterilizados não têm o cheiro da morte. Mas ao perto, os números já têm cheiro a horror, a catástrofe. Já imaginaram o que seria desaparecer numa hora todo o concelho da Guarda? Ou o concelho da Covilhã? (…) Mas estas catástrofes não são jogos de sorte e azar. São consequências. São o resultado dos nossos actos, das nossas políticas, do nosso alheamento…»

As notícias vêm de longe. O número aumenta hora a hora. Mas passado o primeiro impacto já ninguém liga. Podem ser 30, 40, 50 mil mortos…assiste-se ao evoluir dos números como quem observa o decorrer de um jogo, as bolas do totoloto, os números da lotaria. Passado o primeiro impacto, ouvimos os relatos sentidos que nos chegam da Ásia e continuamos sentados no sofá, a remexer nos papéis da secretária, ou debruçados sobre o prato da comida. Fazemos zapping à procura de outro canal… mas a realidade continua. Tsunamis (ondas gigantescas provocadas por deslocamentos do fundo do mar) originadas por um forte terramoto na Indonésia afectaram este domingo seis países do sul da Ásia, matando mais de 55 mil pessoas (dados de terça-feira) e dizimando populações no Sri Lanka, Índia, na própria Indonésia, Tailândia, Malásia e ilhas Maldivas. Acresce que mais de um terço foram crianças. Existe ainda um número indeterminado de feridos, alguns em estado muito grave. E milhões de desalojados….

Tudo é relativo na frieza dos números. Na banalização das notícias, podem ser 30, 40, 50 mil mortos. É lá longe. O abalo, de magnitude 8,9 na escala aberta de Richter foi dos mais violentos dos últimos cem anos. Mas isso que importa? São meras estatísticas.

Lá longe a diferença entre um e um milhão é mínima. Números limpos esterilizados não têm o cheiro da morte. Mas ao perto, os números já têm cheiro a horror, a catástrofe. Já imaginaram o que seria desaparecer numa hora todo o concelho da Guarda? Ou o concelho da Covilhã? Já imaginaram todos os habitantes da zona centro desalojados, sem casa, sem água, com falta de ajuda médica…? E este abalo teve a força do terramoto de 1755 em Lisboa e não é história, é presente. Um presente sobre o qual é impossível fazer zapping.

…na “estufa” do mundo!

Mas afinal o que aconteceu. A resposta é sempre a mesma. A atmosfera, carregada de “lixos químicos” funciona como uma “estufa”, concentrando o calor e aumentando a temperatura do globo. Essa situação provoca o degelo dos pólos e o aumento do volume das águas. Estas mudanças mexem com os equilíbrios sensíveis da natureza. Existe menos peso sobre as placas tectónicas dos pólos mas existe maior pressão noutras placas, como a que cedeu no passado domingo.

Mas é tudo lá longe, por isso temos uma enorme facilidade de esquecer. Esquecemos rapidamente os abalos da Turquia ou do Japão, ou as cheias da América Latina ou frente fria que arrasa a Europa de Leste. E esquecemo-nos de perguntar porque é que tudo isto acontece. O mais fácil é dizer que “acontece”. Mas estas catástrofes não são jogos de sorte e azar. São consequências. São o resultado dos nossos actos, das nossas políticas, do nosso alheamento…

Mas um dia a água chegará à nossa rua e então talvez seja demasiado perto e … já demasiado tarde para pensar nisso!

Por: João Morgado

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