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O jardim à beira-mar plantado

Editorial

1 Na semana passada o diário “Público” publicou uma entrevista com o Presidente da Associação da Hotelaria de Portugal que, espantosamente, passou despercebida, mas a que não podemos ser indiferentes. Segundo Raul Martins, que assumiu este ano a liderança dos hoteleiros, o país deveria resumir-se à faixa litoral, considerando que a criação de «condições para atrair pessoas é uma utopia» e que «o turismo faz-se num local onde há algo de que se possa desfrutar. As pessoas não fazem ski no verão. Estamos sempre a cometer erros, como construir autoestradas no interior para incentivar investimentos». Mas não se ficou por aqui. Para o dono do Altis, quando confrontado com pontos de interesse no interior, como o património ou a natureza, contestou: «O que é que pode reter as pessoas ali?». «A neve, o sol e mar, a parte histórica, isso interessa às pessoas», segundo o hoteleiro, para quem isto «é o que é. Porque é que hão de viver tantas pessoas no interior como no litoral?».

Este conjunto de ideias ou frases são a base de uma tese, de uma ideia de país e de uma filosofia de organização do território que vai ganhando adeptos e defensores. Estranhamente, ou talvez não, há no litoral, e em especial em Lisboa, cada vez mais quem pense assim. Dirigentes e políticos que não sabem ou não querem saber do país “que ficou para trás”, do território “ostracizado”, do Portugal atrasado. Empresários e empreendedores que não querem saber de coesão territorial, ainda que grande parte dos fundos europeus que o país recebe, inclusive Lisboa e todo o litoral, sejam precisamente fundos de coesão e que deveriam servir para apoiar o desenvolvimento do interior (infelizmente acabam quase sempre desviados para programas e projetos no litoral, mais competitivo, com mais meios e maior agilidade). Porque há cada vez mais pessoas em Lisboa e no litoral que não conhece nada do interior, que pensa que a “província” é todo o território a mais de 50 quilómetros de Lisboa ou de Vilamoura, que olham para o resto do país como uma reserva, onde vivem velhos e pobres. É urgente que as elites, os autarcas, os deputados, os resilientes que teimam em viver no interior se manifestem contra esta corrente e contra os arautos da litoralização do país, como muito bem o fez, a semana passada, aqui ao lado, o nosso cronista e professor universitário, André Barata, que defendeu que «há que fazer exatamente o contrário do que defende Raul Martins – não dar por inexorável a tendência para a desertificação, não cruzar os braços, não se dar por conformado com menos… Pois o problema nem é não viverem tantas pessoas no interior como no litoral, mas qualquer dia não viverem pessoas no interior».

2 Quando o sol nasce é para todos. Mas alguns vão ter de o pagar… As alterações ao Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) podem obrigar os proprietários, os que têm sol e vistas até onde a vista alcança, a pagar mais impostos. A expressão «as vistas não pagam impostos» tem os dias contados, pois às muitas taxas e “taxinhas” junta-se agora o imposto sobre o sol e a sombra… parece que os especialistas em receitas fiscais já não sabem o que inventar para esmifrar mais o contribuinte – convém não esquecer que o IMI é uma receita das autarquias locais.

Luis Baptista-Martins

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