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O Inimigo

Segundo o Código do Trabalho, uma empresa com menos de dez trabalhadores é uma microempresa, se tiver entre dez e cinquenta será uma pequena empresa, entre 50 e 500 chama-se média empresa e só a partir daí será considerada uma grande empresa. De acordo com alguns partidos políticos, as micro, pequenas e médias empresas são boas e devem ser ajudadas e “apoiadas”, contrariamente às grandes, que são, supõe-se, o inimigo. Pior ainda quando estiverem internacionalizadas, que passarão à temível categoria de multinacionais e serão objecto do ódio geral.

Há incongruências, não facilmente resolúveis pela pura ideologia. Se uma média empresa com 499 trabalhadores contratar mais um trabalhador, passará por esse simples facto para o lado errado da barricada? (e tanto mais quantos mais trabalhadores arrancar ao desemprego?). A coisa será ainda mais incongruente se pensarmos que é geralmente nas maiores empresas que se pagam os maiores salários, que se reconhecem mais facilmente os direitos, que existem e se cumprem códigos deontológicos, que se procura a acreditação no Instituto da Qualidade e se têm por isso de cumprir as regras correspondentes.

Há outras coisas: não se é necessariamente boa ou má pessoa consoante se seja trabalhador por conta de outrem ou não. É verdade que existe (existe ainda?) a chamada luta de classes e que numa luta procura-se sempre, nem que seja por simples desejo de sobrevivência, prevalecer sobre o outro, mas isso nada nos diz sobre a bondade intrínseca de cada uma das partes e das suas ambições. É claro que quanto mais pequena for a empresa, mais difícil é alimentar aquela hostilidade em relação ao patrão, sobretudo se não houver queixas evidentes a fazer dele a pretexto da tal luta de classes ou até, mais prosaicamente, do clássico conflito de interesses entre quem paga e quem recebe.

Curiosamente, quanto mais pequena for a empresa, maiores são as contradições nascidas dos ódios (ou rivalidades) alimentados pela tal luta de classes. Imaginemos uma microempresa, com apenas o patrão e um trabalhador. Recorrendo a um crédito bancário, ou a um subsídio para a criação do próprio posto de trabalho, o primeiro abriu um estabelecimento comercial e contratou o segundo. O banco, contra um reforço da hipoteca da casa, emprestou-lhe o dinheiro que faltava. Paga ao empregado o salário de lei e dá-lhe férias, 22 dias úteis por ano, 25 se não houver faltas, mais os fins-de-semana e todos os feriados, religiosos ou não, do calendário. O patrão, quando o negócio corre bem, vai conseguindo pagar os empréstimos, a renda, o ordenado do empregado, os impostos e a Segurança Social, os seguros e demais encargos. Ainda consegue tirar um ordenado para ele, por vezes bem maior do que o do seu empregado. Tira por ano no máximo uma semana de férias, trabalha bem mais de quarenta horas por semana e não tem direito a ficar doente, que para ele não há baixas médicas. Se a vida lhe correr mesmo bem, poderá contratar um segundo empregado, e um terceiro, e mais. Se lhe correr mal, vai acabar por ganhar menos do que o próprio empregado, e depois nada, vai deixar de pagar as contas, falir e perder todo o património pessoal – empenhado quando se endividou para abrir a empresa. Não vai ter direito a subsídio de desemprego, contrariamente ao seu empregado. Este vai ainda ser indemnizado pela perda do posto de trabalho e receber do Fundo de Garantia Salarial boa parte dos seus créditos (isto se a empresa não tiver nada).

Poderá ainda receber de uma vez o subsídio de desemprego a que tiver direito se quiser criar o seu próprio posto de trabalho e abrir uma empresa, e contratar alguém, assim deixando de ser, por força da ideologia aplicada às circunstâncias, alguém no máximo tolerável.

Por: António Ferreira

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