No domingo passado, mal começou a campanha eleitoral, o meu quadro clínico alterou-se subitamente. Tremores, febre, dores de cabeça. “Sacanas”, pensei, “vejam só o que me fizeram.” Ponderei processar todos os partidos e também os jornais e televisões que teimam em mostrar-nos a campanha eleitoral. Mas afinal era um vírus normal, daqueles que passa em quatro dias. Pelo contrário, a campanha vai durar quinze. E para combater os microorganismos um tipo sabe mais ou menos o que tomar. Contra a propaganda, não há antipirético que nos valha. Mal por mal, antes a gripe.
Uma das vantagens das doenças é o tempo com que se fica para pensar na vida, no mundo e nas probabilidades de ir parar a um motel com a Nicole Kidman. Fica também algum tempo para ler, nos breves momentos em que os olhos não parecem as cataratas do Niagara. Pude finalmente fazer um estudo fundamental que se impunha há muito na vida intelectual europeia, comparando as edições portuguesa, espanhola e inglesa da revista Maxim (Maxmen por cá). Claro que o fiz apenas para verificar a qualidade dos textos e analisar os pares de artigos que as revistas oferecem aos seus leitores.
Outro bom passatempo para doentes de gripe é percorrer jornais à procura de títulos interessantes que nos revelem o estado do mundo. Eis três exemplos:
– “Alguma coisa correu mal”, diz perito.
– Vaga de frio ligada a baixas temperaturas.
– Animal falha acasalamento; veterinário toma conta do caso.
E isto tudo sem recorrer ao 24 Horas, pois o gozo deste passatempo está precisamente na dificuldade de encontrar títulos sem nexo. (E no caso do referido jornal, existe também a dificuldade acrescida de achar títulos sem sexo.)
Depois de cinco comprimidos antigripais, dez pastilhas para a garganta e dois chocolates porque sim, os neurónios voltaram a interessar-me por política, o que só pode ser justificado pela fraca produtividade anual das conexões cerebrais apresentadas no último triénio. Aqui ficam, porque a coluna é minha e porque quando um gajo adoece faz coisas que não lembram ao diabo, algumas conclusões sobre a política portuguesa que nunca ninguém teve coragem de revelar ao país.
A diferença entre PS e PSD é, obviamente, o D. Como entre a PlayStation (PS) e a PlayStation Dois (PSD). E esta coincidência não é por acaso. Pouca diferença há entre a primeira e a segunda. Mais um bits de memória, mais umas possibilidades, mas a função essencial mantém-se. Divertir a malta em frente a um ecrã enquanto lá fora acontecem coisas importantes. Nesta comparação diria que o Bloco de Esquerda é a X-Box. Muito sofisticada e denotativa. (Uso aqui a notação comum da matemática, em que uma “caixa de X” é uma “caixinha de incógnitas”.)
Este deve ser o artigo em que o único leitor desta coluna que ainda resistia se farta da pobre lógica que subjaz à sua produção e desiste finalmente de tentar perceber o que raio é um ornitorrinco e que actrizes já implantaram silicone. Em minha defesa tenho apenas a dizer que a direcção do jornal não me deixa fazer experiências giras como escarrapachar a toda a largura do espaço da coluna a frase “Hoje não me apetece dizer-vos nada” e, para cúmulo, me dá toda a liberdade de escrever o que me der na real gana. Obrigassem-me a escrever artigos profundos sobre o pensamento kantiano acerca das urgências do Hospital da Cova da Beira ou a dissertar sobre a influência da crítica pós-modernista de Rorty na recandidatura de Maria do Carmo Borges e então, nesse caso, teríamos finalmente jornalismo de qualidade nesta página.
EU VI UM ORNITORRINCO
Só que com a gripe, parecia-me um papa-formigas.
Por: Nuno amaral Jerónimo