Carlos Vendeiro aprendeu a reconhecer as ovelhas e as pastagens sem a visão. Certos caminhos ainda estão bem vivos na sua memória, mas para distinguir os animais recorre ao tato.
É num recanto das pastagens que circundam a aldeia de Fernão Joanes, na Guarda, que encontramos Carlos Vendeiro, de 53 anos, com as suas ovelhas. A destreza com que as reúne e guarda não o diferenciam de qualquer outro pastor, mas a sua dedicação “esconde” o obstáculo que marca o seu quotidiano: a cegueira.
A certa altura chama por uma das ovelhas, a Fadista, para mostrar como a faz ajoelhar. Mas quando o veem com pão nas mãos, são muitos os animais que o procuram: «Não é esta», diz Carlos Vendeiro repetidamente, tocando os chocalhos, a coleira e os cornos das ovelhas até descobrir a Fadista. «Vamos para a corte e eu conheço-as a todas: ponho um guizo numa e uma campainha pequena noutra», explica, acrescentando que também «não têm os cornos iguais e umas têm o rabo mais curto ou mais comprido». É com satisfação que informa que encontrou a Fadista e sabe que esta não o deixou “ficar mal”: «Habituei-a cedo com um bocadinho de pão ou uma pedra de açúcar. As primeiras vezes tive de insistir, mas depois já ajoelhava sozinha», adianta o pastor.
Desde os 14 anos que Carlos Vendeiro vive as lides da pastorícia, mas o hábito de andar com os animais já vinha dos pais. «Quem andava com as vacas eram os meus irmãos e eu andava com as ovelhas», lembra, acrescentando que «aprendi com o meu pai a comprar e a vender ovelhas e borregos, pois naquela altura havia mercado e feira». São várias as histórias que marcam as quatro décadas dedicadas aos rebanhos, mas a perda de visão alterou certos hábitos: «Quando via bem andava de noite, ia para a serra, conhecia os “buracos” todos», garante. Mas a situação complicou-se nos últimos três anos e atualmente a audição também falha. «Antes andava sempre bem, cortava malhada, tirava o estrume, deixava as ovelhas lá em cima e via-as daqui», garante. «Conheço estes terrenos, sei se estou na ribeira ou na regada, mas se for para outro local já não sei onde estou», declara o pastor. Porém, apesar dos obstáculos, Carlos Vendeiro não esconde o gosto pela sua profissão, pois «toda a vida foi assim».
Basta chamar as ovelhas uma vez e elas apressam-se no seu encalço: «Ando todos os dias com elas, chamo-as e vêm logo. Digo que as vou levar para um pasto e até parece que percebem», afirma, orgulhoso. No entanto, é habitual pedir ajuda ao filho e ao irmão Daniel Vendeiro se não encontra um animal ou precisa de alguma coisa. «Há tempos pariu uma ovelha e teve de ir lá o meu irmão», exemplifica. Ainda assim, ninguém conhece melhor o rebanho do que ele: «Quando vem alguém por causa de uma ovelha, os outros não sabem, eu é que sei», explica Carlos Vendeiro, referindo que «quando é para vender, por exemplo, ponho um nagalho ou marco a cabeça». Contudo, há ovelhas pelas quais sente um carinho especial: «Aquela que for boa de leite, nem que me deem 100 contos, não há homem que ma tire. Gosto mais de umas do que de outras, por isso é que ficam», justifica.
«Sei que uma ovelha é boa porque dá sempre o leite certo e engorda as crias, isso pode ir da qualidade da mãe ou do carneiro», acrescenta o pastor. Mesmo que os dias sejam acompanhados de novos desafios e dificuldades, Carlos Vendeiro mantém a vontade de os passar com o rebanho: «Sinto-me melhor quando ando com as ovelhas. Até prefiro andar com o gado do que estar no povo, o dia em que não vou com o rebanho já não ando bem», afiança.
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Sara Quelhas