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O gesto de Quaresma

Sentado a ver televisão em horário nobre, esperando ver verdadeiras notícias, as quais vão rareando nos mainstream media, levo com mais uma reportagem da treta. A SIC deu-se ao desplante de acompanhar a claque dos Superdragões, desde o Porto até Lisboa, para o clássico Benfica-Porto. Por entre os palavrões habituais para mostrar desprezo pelos adeptos da equipa adversária e pela cidade dos mouros, uma manada de ultras avançava pelas ruas, monitorizada por dezenas de polícias que, pacientemente, os tentavam controlar. Passando os olhos pelas faces desses indivíduos que, com os usuais palavrões e gestos me entravam pela casa dentro, não foi difícil adivinhar o estrato social, económico e cultural da maioria. Para terminar em beleza a reportagem é entrevistado o líder, o qual é bem conhecido do meio judicial. Este diz conseguir ter controlo sobre as acções o seu bando, sempre que quer. Tem-se notado!

Parece-me um completo desrespeito para com os telespectadores que, em reportagens emitidas em diferido, os palavrões e gestos obscenos não sejam suprimidos e que se gastem preciosos minutos de tempo de antena em prime time com indivíduos que são, muitas vezes, um bando de malfeitores e um perigo para a sociedade. Aproveitando-se do “efeito de manada”, a coberto do grupo, passam de carneirinhos a lobos e ameaçam muitas vezes a segurança individual e colectiva.

Não fique o leitor a pensar que tenho algo em particular contra o FCP pois, espécimes semelhantes, também abundam noutras claques com denominações “ultra”, “juve” ou “no name” (apenas para falar nos artistas principais). Estes indivíduos não gostam de futebol, vão ao estádio para vilipendiar e ofender as equipas e adeptos adversários e no regresso a casa aproveitam para vandalizar o que lhes aparece pela frente e/ou açambarcar umas áreas de serviço com o objectivo de conseguirem alimentos, tabaco ou álcool. Muitas vezes vemo-los de costas para o jogo, entretidos a mandar objectos mais ou menos perigosos para a claque adversária ou na maior parte dos casos para pacíficos cidadãos que foram ver futebol com a família.

Uma vez que se ilegalizou, e bem, um partido de extrema-direita por, alegadamente, defender ideais que põem em risco direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, parece-me de uma clareza cristalina que, também as claques deste calibre (de guerra), por porem em causa esses mesmos direitos, liberdades e garantias deveriam ser ilegalizadas e impedidas de desenvolver as suas actividades. O futebol passa perfeitamente sem este tipo de “adeptos”, a sua presença nos estádios só afasta os verdadeiros. O futebol precedeu com folgada margem temporal as “ultra-claques” e sempre teve o apoio genuíno do público, tendo crescido como desporto e estando a tornar-se na indústria de milhões de euros que conhecemos, mas estando, cada vez mais, enfermo de corrupção e violência.

Do rescaldo do Benfica-Porto fica uma imagem e um exemplo, que está nos antípodas da que é transmitida na grande maioria das vezes pelos dirigentes, jogadores, alguns adeptos e quase todas as claques: Após ter sido substituído e antes de voltar ao banco, Ricardo Quaresma, dirigiu-se à zona dos adeptos do Benfica para oferecer a sua camisola a uma senhora de meia-idade, que lha solicitou. Este gesto, por todo o simbolismo que encerra, deveria ter sido profusamente difundido, o que não aconteceu. O futebol deveria ter mais disto mas, infelizmente, transformou-se numa coisa completamente diferente. Apenas é notícia quando futebolistas agridem adversários, árbitros são agredidos por jogadores, adeptos agridem jogadores (ou vice-versa) e claques agridem outras claques ou quem lhes aparece pela frente. Foi, também, notícia ad nauseam, a “festjinha” na cara que um seleccionador de um rectangular país fez a um jogador.

Parece-me que o Fair Play by FIFA não passa de mais um slogan giro, mas sem efeitos visíveis a médio prazo. Assusta-me ver nas camadas jovens, putos que, desde cedo, começam a saltar à bola com os cotovelos em riste ou a fazer entradas à má fila, com o intuito de agredir e raramente de jogar. Como alguém disse um dia, alguma coisa vai muito mal no reino do futebol…

Por: José Carlos Lopes

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