Leonor Beleza não foi responsável directa pela importação de sangue contaminado com o vírus HIV, responsável pela morte de 18 hemofílicos portugueses. Mas como era a ministra da Saúde na altura em que ocorreu a referida importação, foi responsabilizada por esse acto cometido pelos serviços que estavam sob a sua tutela, foi alvo de processos jurídicos – e a sua carreira política foi destruída.
Jorge Coelho não é engenheiro nem nunca construiu uma ponte na vida. Mas a queda da ponte de Entre-os-Rios, que originou a morte de quase 80 pessoas, levou-o a sentir-se responsável pelo que aconteceu, já que era o ministro das Obras Públicas da altura – e demitiu-se.
Ora o que se passa agora com as informações, as insinuações e as confirmações que uma assessora do Procurador-Geral da República, Sara Pina, passou a um jornalista do Correio da Manhã sobre o caso Casa Pia, é, por muito que o PGR assobie para o ar, da sua estrita responsabilidade política – e que lhe cai em cima com estrondo.
Bem pode a Procuradoria dizer que Sara Pina «não tem acesso aos processos», pelo que não poderia violar o segredo de justiça. Trata-se de uma falácia, porque não é isso o que transparece das conversas com o jornalista divulgadas pelo «Independente», em que Sara Pina se mostra muito bem informada em relação ao que se estava a passar com Ferro Rodrigues, Hugo Marçal e Herman José. Mas nem sequer é isso que está em causa. O que está em causa é que Sara Pina é a assessora de imprensa do Procurador-Geral da República, Souto Moura, e que, nessa qualidade, prestou um conjunto de informações e deu várias opiniões ao jornalista sobre o processo Casa Pia – explicitando mesmo que numas poderia ser indicada «fonte da PGR» e noutras não.
O que está em causa é que durante ano e meio a direcção do principal partido da oposição esteve decapitada e incapaz de agir politicamente por ser suspeita de envolvimento no caso Casa Pia – e agora, a um mês do início do julgamento, não só o secretário-geral do PS, Ferro Rodrigues, nunca foi constituído arguido, como o seu braço direito, Paulo Pedroso, pode também não ir a julgamento. Mas entretanto a PGR passava informações a um jornal que foi particularmente activo no noticiário sobre a Casa Pia e o ex-director da Polícia Judiciária, Adelino Salvado, que entretanto se demitiu, passava informações ao mesmo jornalista, dizendo que mais que uma testemunha incriminava Ferro Rodrigues no processo de pedofilia.
Aqui chegados, Souto Moura, que no dizer acutilante de Eduardo Prado Coelho parece um gato sempre constipado, não se demite, acha que a sua assessora não violou o segredo de justiça, fala de cabalas contra a PGR e põe todo o ónus do caso no jornalista, que gravou as cassetes sem os seus interlocutores saberem.
O PSD e o CDS, por seu turno, não querem que Souto Moura se demita, porque isso poderia traduzir-se na decapitação da justiça a pouco tempo de se iniciar o julgamento do processo Casa Pia.
O Presidente da República, Jorge Sampaio, mantém a coerência que o levou a não convocar eleições antecipadas e também não quer que Souto Moura se vá embora.
Entretanto, Ferro Rodrigues viu o seu nome arrastado pela lama, viu a sua margem política de actuação reduzir-se drasticamente devido ao processo Casa Pia – e depois de se demitir por causa da decisão de Sampaio de não convocar eleições, agora também vê o PR segurar o homem que deu vários sinais públicos de que estava convencido do envolvimento de Ferro no processo.
O pardal esteve encurralado um ano e meio. Até quando conseguirá o gato constipado escapar?
Por: Nicolau Santos *
* Sub-Director do Expresso