As aldeias do Vale do Mondego viveram um autêntico pesadelo na semana passada, quando as chamas se aproximaram das casas e consumiram em instantes décadas de trabalho. O fogo foi dado como dominado na manhã de sexta-feira.
É o pior incêndio de que há memória em Aldeia Viçosa (Guarda), onde o fogo trouxe o “inferno” e reduziu a chamas décadas de muito trabalho. Foram horas de pesadelo para a população da aldeia, que viveu, na passada quinta-feira, um dos dias mais negros da sua história. «Não sei o que é o inferno, mas devia ser aquilo», disse Graça Morais a O INTERIOR. «Já vi fogos grandes, mas nunca como este», vinca a habitante, de 56 anos.
A quinta arrendada, à qual dedicou grande parte da sua vida, não é hoje mais do que um “mar” de cinzas a perder de vista. Impedida de sair de casa por familiares e vizinhos na altura do incêndio, por motivos de saúde, a senhora encontrou uma “palheira” e os terrenos já destruídos, bem como as alfaias e mais de mil fardos de feno transformados em cinzas. «Uma “palheira” ainda se safou, mas ali na quinta ardeu tudo, desde oliveiras a casas agrícolas de várias pessoas», sublinha a residente. «Em cinco minutos isto expandiu-se logo», refere. Isto porque o fogo que lavrava no Vale do Mondego chegou a Aldeia Viçosa sem se anunciar, apanhando os moradores desprevenidos. «Na quarta-feira vimos o fogo na serra, mas de manhã estava sossegado», recorda Graça Morais, acrescentando que «perto das 13 horas o meu filho começou a ver muito fumo e disse-me para preparar as mangueiras e encher os baldes». Depois do aviso, as chamas não terão demorado mais de 15 minutos até ameaçarem a sua habitação.
«Puxámos a mangueira do tanque e o meu filho ligou uma máquina de pressão (de lavagem)», conta, lembrando que «as pessoas saíam então da missa e começaram logo a combater o fogo». Já em casa, a moradora só conheceu o desenrolar do incêndio pela boca de quem o combateu. «Foi uma miséria, como é que o fogo passou para a outra margem do rio?», indaga. O filho e um primo ainda conseguiram salvar as suas ovelhas, o que lhes ia custando a vida: «À beira-rio ardeu tudo, eles tiveram de se deitar no chão num pedaço de erva que escapou… Mas as chamas eram enormes, pensaram que morriam», conta, visivelmente emocionada.
Filme de terror
Já a neta de Graça Morais, de 14 anos, teve mesmo de ser transportada numa ambulância: «Só vi o início do fogo, porque fui para o hospital», indica Adriana Morais, ressalvando que «entrei em pânico e faltou-me o ar devido ao fumo». A jovem tentou salvar as ovelhas, em vão: «Não consegui porque os caminhos estavam todos a arder e enquanto regressava inalei muito fumo», recorda. Apesar da tenra idade, Adriana tentou combater as chamas junto dos mais velhos, experiência que nunca vai esquecer: «Marcou-me, pois gostava muito disto e de um momento para o outro ficou tudo destruído», lamenta.
Também a vizinha Fátima Carvalho teve a habitação em risco: «Parecia um filme de terror daqueles que vemos na televisão», garante, sublinhando que «o fogo ocupou tudo em cinco ou dez minutos». Antes do «pânico» – e acabada de chegar do emprego –, a moradora tinha acalmado o filho, que já “adivinhava” a aproximação do incêndio. «Em poucos minutos o fogo chegou ao campo da bola, aqui perto», recorda. Os emigrantes recém-chegados à aldeia foram importantes, já que, na sua opinião, as chamas poderiam ter destruído a povoação: «Havia emigrantes em casas que, por norma, estão desabitadas durante o ano», indica, assegurando que «se fosse dia de trabalho, Aldeia Viçosa tinha ido pelos ares». Contudo, a habitante não poupa críticas aos SMAS: «As bocas-de-incêndio e o chafariz não funcionaram, tivemos de nos desenrascar com um tanque e duas torneiras», denuncia.
No meio da aflição, Fátima Carvalho subiu com baldes cheios de água uma barreira que costumava evitar. As pessoas que convidara para almoçar acabaram por ser «essenciais» no confronto com o fogo, que levou ao desespero várias famílias da aldeia: «Sentimos medo, pois trata-se de uma vida construída durante muitos anos e com muito trabalho», evidencia. «As oliveiras foram todas à vida, nunca se viu um incêndio passar da aldeia para baixo», afirma. «Podemos agradecer a Nossa Senhora, que está além na Senhora do Carmo, ter-nos salvado», invoca Fátima Carvalho.
Críticas também aos bombeiros
«Problema de método». É assim que Pedro Rodrigues carateriza o que aconteceu em Aldeia Viçosa. Segundo este proprietário de uma quinta na localidade, «a população viveu a inoperação dos bombeiros», pois «o tempo demorado no combate não teve a ver com a falta de meios, mas com a organização», considera.
Ainda assim, Pedro Rodrigues defende que os carros de bombeiros «eram muitos». O empresário agrícola não atribui todas as responsabilidades ao comando da operação, mas mostra-se indignado com o sucedido: «Protegi a minha exploração agrícola com o que tinha. Não faltaram meios mas sim gente para ajudar, pois pedi auxílio e não vi ali nenhum bombeiro», critica. A casa, os estábulos, os armazéns e as estruturas em pedra venceram o fogo, que, por sua vez, destruiu toda a estrutura agrícola da propriedade de Pedro Rodrigues. «Os bombeiros não atuaram na proteção das casas, ficaram na estrada», lamenta, salientando ter tido «a informação de que os “canarinhos” controlaram o incêndio na quarta-feira à noite e o deixaram ao cuidado dos bombeiros, mas estes saíram também do terreno». O levantamento dos prejuízos começou esta semana. O INTERIOR tentou contactar Baltasar Lopes, presidente da Junta de Aldeia Viçosa, que esteve indisponível até ao fecho desta edição.
Sara Quelhas
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