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O Fel

Bilhete Postal

Por vezes destapo o meu humor bilioso e respondo como não gostaria. Há situações que me servem de gatilho para uma brutalidade. Não gosto que me virem as costas quando faço uma pergunta. Não gosto que me atendam sem levantar os olhos. Não gosto que a mesma pessoa mal me interprete sempre. Não gosto de perguntas descabidas. Não compreendo a rudez gratuita e a despropósito. Não lido bem com incoerência. Já não resisto a uma pessoa delicada, um “gentleman” de surpresa, uma inteligência num corpo cuidado e criteriosamente arranjado. O fel é o sabor do bilioso, o cheiro sui generis desse líquido esverdeado. No Socratismo grego havia quatro humores: o aquoso, o urinário, o sanguíneo e o bilioso e eles davam os caracteres da personalidade. Um tipo explosivo e agressivo é humor de sangue. Um aquoso é aquele que remói mas não se agita muito, só que ficam as ondas a vibrar. O urinário nunca percebi bem e por dever da ignorância não me expresso. Falo um pouco mais do bilioso, que é um tratado da humanidade: há o azedume que nos fica de alguém e cresce. Surgem as manifestações ordinárias do ciúme. O chefe que verte fel nos funcionários. O tipo que entra no balcão de chancas e apetece responder. A bílis cresce com a funcionária que nunca sabe e nunca ajuda. A bílis cresce com a injustiça policial e os maus tratos de quem nos deve proteger. Mas o fel é um produto também da intolerância e por isso o modo de protestar sem bílis é o riso. Mas nem sempre dá para fazer humor. Tenho esta penitência que me tira a razão quando “salta a tampa”: três “avé maria”! Não! Juro que agora brincava. Mas contar até vinte pode ser um redutor da explosão de fel. Hoje a bílis perpassa a internet e as redes sociais e aí, acocorados em falsidade, há milhares de provocadores e delatores. Enfim, lavar a roupa suja com humores corporais é sempre mau caminho.

Por: Diogo Cabrita

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