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O exterior, o interior e o vazio no meio

Crónica Política

Este jornal em que escrevo referiu-se na edição passada à possibilidade do distrito da Guarda vir a perder um deputado nas próximas eleições legislativas. Tudo em consequência da redução contínua de cidadãos recenseados neste círculo eleitoral. Ou seja, nas legislativas de 2019 os eleitores só poderão, se a lei se mantiver, eleger três dos quatro deputados atuais. De imediato, os deputados eleitos pelo PS, Santinho Pacheco, e pelo PSD, Carlos Peixoto, vieram a terreiro admitir a quase inevitabilidade do facto e lamentar-se do mesmo, sem explicarem quem ganha o deputado que vamos perder.

Em vez de aceitarem pelo menos alguma responsabilidade pelo pouco ou nenhum trabalho desenvolvido em prol de uma região que perde economia e habitantes a um ritmo alucinante, aquilo que mais parece preocupá-los é a previsível redução na disponibilidade de cargos políticos locais. É em momentos destes que nos questionamos sobre as medidas concretas propostas por estes nossos representantes eleitos para inverter o ciclo de despovoamento e envelhecimento demográfico do distrito.

Em todas as áreas do índice de desenvolvimento a região perde. Fecham-se escolas, estações de correios, agências bancárias, tribunais, extensões de saúde. Agora, corremos até o risco de começarem a desaparecer as especialidades hospitalares!

Há três dias atrás, uma estação de televisão revelou ao país que a Oftalmologia do nosso hospital tem apenas um especialista ao serviço e um tarefeiro a fazer cinco horas semanais. A nossa Cardiologia vai pelo mesmo caminho. A Ortopedia, também. Na Covilhã e em Castelo Branco as especialidades podem até ser as mesmas ou outras, mas o panorama é idêntico. É toda a Beira Interior que está em perigo de ser despromovida sem apelo nem agravo. E com os nossos políticos de boca calada! Tudo porque aquilo que existe é um monstro que está a sugar serviços do SNS e a negar condições de acesso à saúde a toda a população. O SNS está com falta de profissionais porque o Estado alimenta o monstro que os suga, que é a saúde privada dos grandes grupos económicos.

Entretanto, naquilo que parece ser um outro país, anunciam-se investimentos de milhões, pagos pelos contribuintes, para dar emprego a um reduzido número de trabalhadores com salários de miséria, enquanto o executivo desvia dinheiros que deveriam servir para diminuir o fosso entre regiões mais pobres e mais ricas da União, investindo-o por razões de comodato político nas regiões mais ricas do país!

O que está em causa já não é o Fundo de Coesão, mas o Fundo Ambiental, o tal que disponibiliza meio milhão de euros para os festivais de música ficarem mais verdes. O Governo resolveu pegar nesses dinheiros, nomeadamente naqueles do que antigamente era o Fundo de Carbono, e comprar carruagens de metro.

Troca-se a “descarbonificação” da economia pela macrocefalia centralista, investindo aonde estão os votos e também a riqueza. As economias que poderiam gerir o problema dos fogos, a conservação da biodiversidade e a criação de emprego nas regiões mais pobres, ficam a ver navios. O governo prefere investir em Lisboa em vez de financiar os serviços de ecossistema, perseguindo depois judicialmente as vítimas desta opção com ameaças de coimas se não limparem terrenos! Trata-se de uma verdadeira opção política, com o silêncio cúmplice de quase todos os partidos, com exceção do PCP. A verdade é que todos os outros temem, acima de tudo, perder os muitos mais votos dos utilizadores do metro de Lisboa e Porto…

Com as coisas neste ponto, quem se atreve a manter-se na região ou a vir para cá quando tudo falta? Apenas os que não conseguem ou não têm para onde sair, e os desesperados para quem a vida foi madrasta noutras paragens. E, já agora, os espaços comerciais dos grandes grupos económicos, formatados para sugarem o dinheiro a quem ainda o tenha. O resto, em linguagem comum, são rotundas, eventos e festas. Ou movimentos pelo interior, promovidos por quem antes ajudou a dar cabo dele…

Por: Jorge Noutel

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